Luís Naves
As discussões são quase sempre
superficiais, frequentemente ao lado do alvo, com frases indignadas e pomposas
sobre temas que não foram devidamente assimilados. No fundo, passamos o tempo a
discutir mitologia, que é a maneira mais fácil de evitar tudo aquilo que nos
possa tirar do conforto da ignorância. O fait-divers ganhou dimensões de enorme
transcendência, parecendo por vezes vital para o futuro da pátria. O folclore
ocupa o tempo de análise e é dissecada toda a sua adiposa tolice. O que vem lá
de fora é resumido em três grosseiras pinceladas e, no caso de não se confirmar
a lenda, o que vem de fora acaba por ser devidamente enterrado no ruído das
notícias inúteis. Não discutimos política, mas apenas personagens fulgurantes;
a discussão é parecida com a lengalenga da missa, ouvimos atentamente os padres
sem percebermos a lógica da doutrina, pois acreditar é mera questão de fé. Os
problemas são coisa de espuma e atingem essa entidade de costas largas, o ‘povo
português’, uma amálgama impessoal que, sendo toda a gente, não é ninguém
conhecido. Os sindicatos fazem greve sem o apoio da classe que representam, os
desistentes intelectuais cansam-se de competir com o vazio, os políticos
inventam fintas onde se fintam a si próprios, os comentadores comentam-se uns
aos outros, depois chegam senhores e prometem a redenção amanhã, pois a crise
foi embirração de teimosos, capricho de maus europeus e de alemães maus.
Título e Texto: Luís Naves, Fragmentário,
5-5-2015
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