Rui Ramos
Temos talvez direito à vaidade
de uma companhia aérea com a bandeira na asa e sede em Lisboa. Mas isso tem
custos: por exemplo, esta fidalguia sindical, e os prejuízos que representa
para todos nós.
O líder do Sindicato dos
Pilotos da Aviação Civil gabou-se, ao fim de dez de greve na TAP, de ter
“conseguido infligir um dano de 30 milhões de euros na companhia”. Estava a ser
modesto, porque conseguiu mais: 35 milhões, e sabe-se lá quanto à economia
nacional. Perante isto, até aqueles para quem nunca uma greve pode ser má
abriram uma excepção, e vieram zurzir o sindicato. Fizeram-no, como é
óbvio, para dar a entender que o único problema era este sindicato e esta
greve. Não é. O sindicato não fez mais do que outros sindicatos nas empresas
públicas de transporte, e esta greve não é essencialmente diferente de outras
greves. As contas é que podem ser maiores.
Segundo a mitologia do regime,
as empresas do Estado e os seus empregados não fazem parte do mundo do
comércio, mas da abnegação solidária. Para as empresas, não há a “lógica do
lucro”, e para os empregados não existem “interesses egoístas”. As
empresas pensam apenas em prestar o melhor serviço a todos, e os empregados,
quando lhes acontece protestar, não têm outro cuidado senão zelar pelo carácter
público desse serviço. Acontece que nada disto é verdade.
As empresas do Estado vivem,
directa ou indirectamente, dos impostos e do crédito público. Essa situação,
mais os monopólios e posições dominantes de que geralmente desfrutam, não as
dispensa apenas da chamada “lógica do lucro”. Também as tem dispensado das
regras de boa gestão e da necessidade de satisfazer clientes e utentes. Durante
anos, os governos usaram-nas para todos os fins, desde empregar clientelas
partidárias até fazer negócios politicamente convenientes. Os empregados, com
postos garantidos em empresas que não podem falir a não ser por decisão do
governo, estão por sua vez à vontade para zelarem intransigentemente pelos seus
próprios interesses, confortos ou preferências partidárias. Sabem que os
governos hesitarão sempre em desafiá-los, sobretudo quando não há “consenso
político”, como nunca há. Não culpemos portanto este ou aquele sindicato, ou
este ou aquele dirigente sindical. A questão é o sistema. O SPAC limitou-se a
exercer o poder excepcional que lhe dá o regime das empresas de Estado.
Não é por acaso que devemos às
empresas estatais de transporte uma parte da austeridade que sofremos nos três
anos da troika. As empresas e os serviços ditos “públicos” são demasiadas
vezes os mais indiferentes ao interesse público e aos interesses do
público. A TAP está na posse dos seus sindicatos, que naturalmente se permitem
todas as ousadias para defender a presa. É ridículo, a esse respeito, que o PS
exija que o governo mantenha o “controle público”, quando é notório que o único
controlo que existe na TAP é o que exercem os seus sindicatos. Para poder
privatizar a TAP, o governo deveria ter “nacionalizado” a TAP, pondo termo
à apropriação sindical da empresa. Mas perante sindicatos militantes, prontos a
usar o país como refém, qualquer governo hesita, cede e deixa andar. Em Agosto
de 1981, quando os controladores aéreos tentaram paralisar a América, RonaldReagan despediu-os em massa (11 000 de uma só vez), e acabou com a
cultura de bullying sindical dos anos 70. Ninguém tem hoje
força para este género de saneamentos. Mas também ninguém tem dinheiro para
suportar as exigências dos lordes sindicais.
A TAP começou em 1945, num
tempo em que a modernização, em Portugal como no resto do mundo, era concebida
como um negócio de Estado. É hoje uma empresa desesperada. No Estado, não há
meios financeiros para a sustentar, nem força moral para a reestruturar.
Convinha, por isso, que nos libertássemos de alguns preconceitos. Há
interesses públicos que talvez dependam da propriedade pública de empresas. Mas
o serviço público, no sentido de um serviço ao público, para benefício de
clientes e de utentes, é frequentemente melhor garantido por mercados abertos e
concorrenciais, que forcem os operadores a competir entre si para satisfação
daqueles a quem devem servir. O mesmo se poderia dizer do interesse público, no
sentido do bem geral. As companhias aéreas ditas de “low cost” têm-no servido
muito melhor, com viagens baratas que encheram Portugal de novos turistas.
Temos talvez direito à vaidade
de uma companhia área com a bandeira na asa e sede em Lisboa. Mas não haja
ilusões: isso tem custos: por exemplo, esta fidalguia sindical, e os prejuízos
e o mau serviço que representa para todos nós. Quem quer a TAP como empresa
pública, quer também o SPAC e as suas greves de 35 milhões de euros. Porque uma
coisa vai com a outra.
Título e Texto: Rui Ramos, Observador,
13-5-2015
Relacionados:
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Não publicamos comentários de anônimos/desconhecidos.
Por favor, se optar por "Anônimo", escreva o seu nome no final do comentário.
Não use CAIXA ALTA, (Não grite!), isto é, não escreva tudo em maiúsculas, escreva normalmente. Obrigado pela sua participação!
Volte sempre!
Abraços./-