quinta-feira, 30 de julho de 2015

A realidade é de direita – parte II

João Miguel Tavares
Quando não se faz nada, fica-se pior a cada dia que passa. A Grécia que o diga.
O meu texto da semana passada intitulado “A realidade é de direita” (no final deste texto) mereceu respostas por parte de Miguel Esteves Cardoso e de José Pacheco Pereira.

Em relação às objecções filosóficas do Miguel tenho pouco a opor, excepto no ponto em que ele recorre à velha dicotomia pobres vs. ricos para descrever a situação europeia em 2015. A querer estabelecer opostos, opte-se por ricos vs. classe média, porque os verdadeiros pobres são os que morrem silenciosamente no Mediterrâneo, a tentar chegar à Europa de todas as crises. Esquecemo-nos demasiadas vezes disso. 

Pacheco Pereira decidiu, como é seu hábito, trocar aquilo que eu escrevi por aquilo que lhe dava jeito que eu tivesse escrito, de modo a repetir pela enésima vez as suas profecias apocalípticas e a lançar-se contra os moinhos da “direita radical”, a que alegadamente pertenço. Pacheco faz questão de sublinhar a “profunda inanidade intelectual” das minhas posições e alcandora o TINA a uma nova filosofia do “fim da história”, coisa que nunca defendi. Mas o que mais me espanta é isto: como é que um homem tão culto e afogado em Marmeleiras de História de Portugal não percebe como é velha e relha esta sua perpétua, incansável e desproporcionada resmunguice contra o estado do mundo.

Pacheco é mais um dos “revolucionários do statu quo”: tem um discurso muito radical sobre o nosso presente, clamando por grandes mudanças – só que, ao contrário do revolucionário tradicional, o objectivo de tanto esforço não é chegar aos amanhãs que cantam, mas recuperar os ontens que cantaram. De facto, se o revolucionário do statu quo tem a habitual dimensão utópica, nomeadamente nas exigências – a maior parte delas justíssimas – de uma modificação radical no funcionamento do capitalismo, ele está ao mesmo tempo satisfeito com o seu passado recente, e por isso aquilo que exige é isto: que não se toque na classe média enquanto não se mudarem as regras do capitalismo selvagem e de compadrio.

Esta posição parece racional, e está aparentemente do lado dos desfavorecidos contra os privilegiados, mas tem um problema inultrapassável: não se pode pôr em prática em países brutalmente endividados, que precisam do capitalismo que hoje existe, seja bom ou mau, para pagar as suas contas. Donde, 100% boas intenções, 0% pragmatismo. Por muito que Pacheco Pereira tente travar o mundo com os pés, ele continua a girar, e como qualquer endividado bem sabe, a inacção não é solução. Quando não se faz nada, fica-se pior a cada dia que passa. A Grécia que o diga. Daí a necessidade de agir – e daí o TINA.

Porque o TINA, ao contrário do que sugere Pacheco Pereira, não é nenhuma nova versão do “fim da história”, nem qualquer satisfação com o estado do mundo, e muito menos um convite à imobilidade, até porque há sempre alternativa para a Grécia e para Portugal: sair do euro. Bem ao contrário, o TINA sempre foi um argumento para cerrar dentes e andar para a frente, para se reganhar uma liberdade que permita maiores possibilidades políticas. O imobilizado é Pacheco, que só por vesguice não vê que quando há um tremor de terra todos abanam, da base ao topo. Basta olhar à volta: desde o 25 de Abril que os privilegiados não eram tão atingidos em Portugal. A fuga fiscal diminuiu. O BES caiu. Sócrates está preso. Salgado está preso. As investigações de corrupção não param. Chega? Não chega. Mas chega para mostrar o quão patética é a teoria de que a austeridade só serve para proteger o “sistema”.
Título e Texto: João Miguel Tavares, Público, 30-7-2015


A realidade é de direita

João Miguel Tavares

Achar que mantemos a liberdade de fazer o que queremos com o dinheiro dos outros é de uma avassaladora ingenuidade.

Que a realidade é de direita não sou eu que o digo, mas o Alexis Tsipras da era pós-acordo: “Quem tiver uma solução alternativa que avance e diga qual é”, declarou ele numa reunião do grupo parlamentar do Syriza.

Embora seja impressionante e inesperado ver Tsipras rendido ao TINA (There Is No Alternative), a verdade é que só lhe fica bem admitir o óbvio, que é um óbvio que já era óbvio há muitos milénios, e que só deixou de ser óbvio nos últimos anos porque há gente que adora enganar-se a si própria e aos outros: quanto mais endividado estás, menos liberdade tens. E por muito convencido que estejas que a forma como te querem obrigar a pagar as dívidas te prejudica tanto a ti como ao teu credor, isso interessa muito pouco em termos negociais. Os teus argumentos até podem ser óptimos e Paul Krugman estar cheiinho de razão. Só que não tens dinheiro. Não tens poder de decisão. E, portanto, és obrigado a fazer o que te mandam.

É por isso que eu sempre gostei da expressão “protectorado” usada por Paulo Portas para designar o Portugal intervencionado. Muita gente acusava-o de falta de patriotismo, mas a mim sempre me pareceu uma formulação exacta e a mensagem certa a passar ao eleitorado: os países que necessitam de resgates para serem salvos da bancarrota são, de facto, protectorados, que ficam imensamente limitados na sua liberdade de acção, na execução das suas políticas e, em última análise, no exercício da própria democracia. Achar que mantemos a liberdade de fazer o que queremos com o dinheiro dos outros é de uma avassaladora ingenuidade, só possível de entender para quem confundiu a União Europeia com um jardim-de-infância, onde os mais pequeninos, ou os mais irresponsáveis, ou os mais irrequietos, poderiam fazer o que quisessem porque a mamã Alemanha estaria lá para pagar a conta.

Dizer que a realidade é de direita em 2015 não é o mesmo que dizer que ela é sempre de direita, ou que ela seja de direita em todos os lados do planeta. Mais: a realidade só é de direita na Europa dos nossos dias porque ela foi de esquerda durante todas as décadas da construção do Estado Social e do extraordinário progresso pós-guerra. Mas a partir do momento em que o Estado adquire uma dimensão incomportável e os cidadãos começam a manifestar-se contra o esbulho fiscal, como acontece tanto em Portugal como na Grécia, a realidade passa a ser de direita, na medida em que não há uma alternativa consequente às políticas de austeridade e à diminuição do papel do Estado nas nossas vidas. É a matemática, estúpido. A política tem um poder extraordinário, e eu próprio tenho estado ao lado da Grécia contra aqueles que querem reduzir o projecto europeu à sua dimensão estritamente económica, mas a política não tem o poder de fazer com que 2 + 2 sejam 5.

Tenho imensa pena que a política não seja construída a partir desta premissa, e se perca tanto tempo a tentar derrubar à cabeçada o muro da realidade. Se os partidos de esquerda gregos, portugueses ou espanhóis canalizassem para a reforma dos seus países a energia que gastam a protestar contra decisões europeias que não têm forma de controlar, estou certo que todos estaríamos muito melhores. Agora que Tsipras percebeu isso, esperemos que as esquerdas portuguesa e espanhola também o percebam. Não é possível permanecer no euro sem reformas profundas. E a postura de revolucionários do statu quo é um absurdo: antes de reformarmos a Europa e o mundo, comecemos por nos reformar a nós próprios.
Título e Texto: João Miguel TavaresPúblico, 21-7-2015

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