Flavio Quintela
Governado há mais de 20 anos
por políticos de esquerda, o Brasil atingiu um estágio perigoso de escassez de
algumas condições básicas para a manutenção de uma sociedade ordenada e
funcional; entre elas, o altruísmo e a confiança.
A confiança é a base de todos
os contratos e acordos firmados entre os membros de uma sociedade. Um ser
humano, para viver, precisa interagir economicamente com os outros, através da
compra, venda e troca de bens e serviços, e essas interações só são possíveis
se as partes confiarem suficientemente umas nas outras a ponto de arriscar uma
transação. Na falta desta confiança básica, as pessoas sentem medo de sair
perdendo, e tudo o que antes era feito “no fio do bigode” passa a exigir
quantidades enormes de verificações e autenticações que adicionam custo aos
processos econômicos e desgosto aos cidadãos respeitadores da lei. As empresas,
por sua vez, também precisam modificar suas políticas para não acumular
prejuízos, rebaixando todas as pessoas honestas ao nível de possíveis
aproveitadores.
Há um abismo moral entre a doação voluntária e o
assistencialismo feito com dinheiro confiscado
O papel da agenda de esquerda
neste processo degradante é bastante claro: ao estimular a dependência do
Estado e enfraquecer a responsabilidade individual, o governo assume cada vez
mais o papel de intermediador da confiança e de regulador da honestidade, algo
para o que não tem vocação e nem capacidade. O processo se propaga a cada
geração de forma cumulativa, e não se restringe apenas à confiança básica – o
altruísmo padece tremendamente sob a ideologia de esquerda.
As políticas assistencialistas
implementadas no Brasil nas últimas duas décadas são totalmente opostas ao
altruísmo genuíno. Em vez de estimular as pessoas a ajudar o semelhante necessitado,
elas acabam “terceirizando” a caridade feita localmente, a qual possui inúmeras
vantagens sobre o assistencialismo estatal: menos intermediação, maior controle
sobre quem precisa ou não ser ajudado e conexão real entre quem doa e quem
recebe. Além disso, há um abismo moral entre a doação voluntária e o
assistencialismo feito com dinheiro confiscado, aquele que os governos costumam
chamar de arrecadação de impostos. E, por último, ações locais de altruísmo não
compram votos; programas de ajuda governamental sim.
Novamente, o efeito cumulativo
é inevitável. Quanto mais gente é atendida pelos programas do governo, maior é
o custo dos mesmos; ao mesmo tempo, diminui-se o número de pessoas
economicamente ativas, o que eleva a carga tributária sobre os que produzem,
que por sua vez deixam de fazer a caridade local e pessoal por falta de
recursos e porque “o governo já está fazendo”. E, por mais que os governos
insistam em dizer que seus programas tiram as pessoas da miséria, o número de
inscritos só faz aumentar: não há porta de saída, somente de entrada.
O desenvolvimento da confiança
básica e o aprendizado do altruísmo, que deveriam ser um passo importante na
conquista da competência adulta, estão em extinção na juventude brasileira. A
criança e o adolescente de famílias necessitadas aprendem que podem e devem
contar com o governo para cuidar de suas mazelas. Salvo se instruídos em algum
momento de suas vidas por alguém que lhes exponha a verdade, tornar-se-ão
adultos dependentes da ajuda estatal e desconfiados de qualquer um com
condições econômicas mais favoráveis. Nas famílias não necessitadas, a lição
será diferente: ser bem sucedido e cumprir a lei tem uma punição, a de ter seu
dinheiro confiscado e entregue a alguém que você não conhece. E isso tudo se
você conseguir sair de casa e dar um passo sem achar que vai levar uma rasteira
de seu semelhante na próxima esquina.
Não bastava sermos o país dos
Gérsons; somos agora um país de Gérsons egoístas e dependentes. Fomos
transformados numa nação de crianças mimadas.
Título, Imagem e Texto: Flavio Quintela, Gazeta do Povo, Curitiba, 22-7-2015
Flavio
Quintela é escritor e tradutor de obras sobre política e filosofia,
e autor dos livros “Mentiram (e muito) para mim” e “Mentiram para mim sobre o desarmamento”.
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