quarta-feira, 23 de setembro de 2015

Macroscópio – Surpreendidos com o debate das pensões? Não deviam estar: é aí que podem decidir-se as eleições


José Manuel Fernandes
O tema de hoje da campanha eleitoral foi a execução orçamental de 2014, com a divulgação dos números do INE e a contabilização no défice do empréstimo do Estado ao Fundo de Resolução por causa do Novo Banco, mas suspeito que o tema, como outros, não pegará de estaca – mesmo sendo propício à maior demagogia. E suspeito por uma razão simples: é difícil o eleitorado compreender uma operação que é sobretudo contabilística e achar que o país voltou a ficar na situação de 2011, isto tudo de um dia para o outro e sem que nada de novo tivesse acontecido. Posso estar enganado, mas creio que, em contrapartida, vamos continuar a discutir pensões e segurança social. Mesmo que continuemos a discutir mal e, também, a fazê-lo com bastante demagogia, algumas falsidades e muita falta de clareza. Regresso por isso a este tema, até porque há uma boa razão para ele continuar na campanha: o peso dos reformados no corpo eleitoral.

Para termos uma ideia desse peso eleitoral começo por recuperar um texto de Manuel Villaverde Cabral, que é director do Instituto do Envelhecimento da Universidade de Lisboa, publicado aqui no Observador no passado mês de Maio: 2 milhões e meio de eleitores. O que significa que “Não estão longe de [representar] um terço do eleitorado real”. Mais: “Esses 2 milhões e meio de pessoas recebem mais de 3,5 milhões de pensões contributivas e não-contributivas”, sendo que essas “pensões representam cerca de 30% da despesa pública e aproximadamente 15% do PIB”. Depois de recordar algumas reformas falhadas, o autor – em Maio! – escrevia que “já só as divergências partidárias exacerbadas pela campanha para as próximas eleições explicam que os candidatos à governação fujam a assumir as suas responsabilidades perante aquilo que constitui o maior problema material do país, sob pena de o Estado português se encontrar na impossibilidade de pagar as pensões, muito menos as pensões actualmente prometidas a um número sempre crescente de pessoas.”

Um outro texto de Maio que também vale a pena recuperar é o de Fernando Ribeiro Mendes, que foi secretário de Estado da Segurança Social num dos governos de António Guterres, As inadiáveis reformas do Estado Social. Na altura, numa análise em que se recapitulavam as reformas que se foram tentando fazer, e as que não se fizeram, adiantava-se uma ideia que, penso eu, não fica muito longe de algumas das propostas da coligação e do PS, e por isso poderiam permitir a aproximação que tantos desejam. A linguagem é muito técnica, mas a ideia central do autor está lá:

A reforma estrutural do sistema público de pensões contributivas passa por fazê-lo evoluir para um esquema de capitalização nocional, baseado em contas individuais de contribuição definida, reforçando a lógica de seguro social e o nexo objetivo entre o montante da prestação e as condições da economia e da demografia, salvaguardando de modo efetivo a equidade entre gerações.

Se estes textos dão algum enquadramento à importância deste debate, na imprensa de hoje destaca-se um trabalho do Jornal de Negócios que, sob a forma de perguntas e respostas, procura fazer um ponto da situação do debate sobre as pensões: Plafonar, cortar, congelar: perceba as nuances nas pensões. É um trabalho que se apresenta como um “descomplicómetro” uma vez que “O discurso dos partidos está cheio de tecnicidades sobre a Segurança Social. Nuns casos, porque as questões são mesmo complicadas. Noutros, para influenciar o eleitorado com truques semânticos.”

(Recordo que o Observador também já editou um trabalho de fundo sobre este tema, Vamos receber pensões? Serão suficientes para viver? É um Especial ou de procura responder a esta e a outras perguntas: “Como garantir que a Segurança Social é sustentável para os pensionistas futuros? Qual a base de partida? O que propõem os partidos?”)

Infelizmente os partidos têm sido bem menos claros do que seria desejável. Isso mesmo notava hoje o director-adjunto do Jornal de Negócios, André Veríssimo, num editorial intitulado O que os partidos escondem sobre as pensões. No último ponto desse texto, lembrava que tanto o PS como a coligação têm defendido “alternativas de financiamento da Segurança Social”, o que considera ser só por si um mau sinal: “Significa na prática desistir de procurar um equilíbrio do sistema. E assumir que os desvios serão pagos por todos com mais impostos. O que tem o enorme perigo de transformar o sistema de pensões ainda mais num instrumento pró-cíclico de política económica. Quanto mais a economia afundar, mais impostos terão de ser cobrados para compensar o défice da Segurança Social, penalizando ainda mais a economia.”

Ricardo Costa, director do Expresso, também não gosta da forma como o tema (não) tem sido discutido com seriedade na campanha. Em Segurança Social: Diz o roto ao nu (texto reservado a assinantes), recorda as formas como a coligação e o PS têm fugido a ser mais concretos nas suas propostas, acabando a justificar enfaticamente o título da sua crónica: “Ficamos, assim, numa espécie de diz o roto ao nu. Entre um governo que não se deu ao trabalho de pensar e ficou todo contente por ter atrapalhado o PS, e um PS que se deu ao trabalho de pensar, mas que se recusa a conversar. Estamos bem entregues.”

O tema da reforma das pensões foi também um dos que abordei no meu texto de ontem no Observador, Não sei se deva ter pena de Costa, se deste povo. Apesar de o tema terem sido os sinais de dissonância entre o discurso e as promessas do líder do PS e as propostas elaboradas pelo grupo de economistas encabeçado por Mário Centeno, sublinhei como era difícil compreender o discurso apocalíptico sobre o plafonamento proposto pela coligação quando essa possibilidade até está prevista na actual lei, aprovada pelo Governo Sócrates numa altura em que Costa ainda era ministro. E acabei por isso a notar que a sua dificuldade em explicar o corte de mil milhões de euros deriva de ele ser, de facto, um “corte”. Ora aceitar a ideia de que também haverá cortes no programa do PS contraria “a ficção [da campanha de Costa] de que com um novo executivo socialista se “virará a página da austeridade”. E contrariam uma campanha que, à solta na estrada, começa a multiplicar promessas conforme as audiências, da introdução de portagens mais baixas à redução das taxas moderadoras do SNS, passando por colocar mais enfermeiros e médicos no interior.”

Uma nota final para um testemunho de Daniel Bessa no Público, onde o professor de Economia responde à pergunta colocada pelo jornal: “A procura interna é um indicador decisivo no comportamentos dos eleitores?” A resposta é negativa – “O conceito parece-me demasiado abstracto para poder influenciar o comportamento, leia-se, o voto dos eleitores” – mas a conclusão do texto é relevante, pois o recado vai directo para a estratégia de crescimento proposta pelo PS, o que é significativo por Dankel Bessa já foi ministro num governo socialista:

Numa economia tão pequena e tão aberta como a portuguesa, tentar fazer crescer, hoje, a procura interna para fazer crescer a economia afigura-se-me um arcaísmo, e um erro; esvai-se em importações, sendo um excelente contributo para o crescimento do PIB... espanhol, ou alemão. É um daqueles “actos de ternura” contra os quais é necessária a coragem de lutar, tanto mais quanto mais suportados por dívida (como será necessariamente o caso). Há quem pense que rende votos; não sei, talvez... Em minha opinião, rende sobretudo resgates, como se os que já tivemos, precisamente pelas mesmas razões, não tivessem sido suficientes.

E por aqui me fico hoje, com mais um Macroscópio sobre temas de campanha. Amanhã, já depois da Conselho Europeu extraordinário de hoje dedicado à crise dos refugiados, é provável que volte a este tema, que mesmo estando a ser muito ignorado na campanha pode ter um impacto enorme no futuro da Europa. Ou seja, no nosso futuro.

Bom descanso, melhores leituras. 
Título, Imagem e Texto: José Manuel Fernandes, 23-9-2015

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