Jonathas Filho
Há algum tempo escrevi sobre
privilégios que uns têm e que outros jamais terão. Existem regalias e
facilidades só concedidas a alguns e que, na maioria das vezes, isso acontece
quando a investidura vem acompanhada com algum poder, mesmo que pouco.
Fiquei imaginando se esse tal
poder seria dividido de uma forma democrática, mas reparei que as regalias e os
privilégios atingem só alguns.
Claramente, em qualquer festa
de posse, “o bolo e o champagne não serão
divididos entre todos, pois como nas antigas capitanias... isso tem seus
donatários”, chique, não?
Nesta minha vida, lembro-me de
algumas situações consideradas como “funções privilegiadas” que conto a seguir:
(1) Quando eu era criança, apesar de não jogar
futebol, gostava de apreciar os colegas em meio à prática do viril esporte
bretão. Um deles era o “dono da bola”, pois só ele tinha uma novinha... de
couro e oficial. “Em terra de bola de
meia quem tem uma de couro é Rei”.
Exclusividade digna da
realeza; naquele seu pequeno mundo, ele era o orgulhoso dono da brincadeira e que,
com certa dose de arrogância, tinha a regalia de escolher quem ia jogar no time
dele. Escolhia os seus “fiéis” escudeiros dentre os melhores e mais fortes
jogadores daquela petizada.
A performance do time do “dono
da bola” não era lá de se comentar com sensacionais elogios qualificativos,
entretanto, por causa e efeito, ganhavam daqueles cujo desempenho era pífio.
Vaidoso, o “dono da bola”, se
sentia simplesmente... o máximo.
(2) Na escola onde estudei o primário, a minha turma
tinha um monitor designado pela Professora. Dentro da rigidez do ensino de
então, aquele menino se gabava de ser o “melhor” entre nós, que éramos seus
iguais em idade, conhecimento e experiência, no entanto, por ter sido
“escolhido”, encastelava-se na “função” ensaiando alguns tipos de pitos e
reprimendas, dizendo-se o substituto da zelosa mestra.
Parecia ter um grande prazer e
até dizia ser o “chefe” da turma. Seria isso um privilégio?
Hoje, esse
tipo de “controle” é considerado antipedagógico e até perigoso, pois o indivíduo
é uma criança ainda em formação, e com certas atitudes pode vir a fragilizar a
construção de valores democráticos que deve ser um dos objetivos da escola
moderna.
(3) Quando comecei a minha vida na aviação,
presenciei algumas situações que não pertencia nem a cargos ou funções, mas
que existiam.
Havia uma certa criatura jovem
e bela que, por “namorar” um Master Captain, agia como uma senhora feudal da
Idade Média, portando-se com prepotência, além de trabalhar o mínimo
recomendado pela preguiça dela. Lógico que isso não era um privilégio da
“função (?) de namorada”, todavia sobrecarregava demasiadamente o trabalho dos
seus colegas de voo. Era também chamada de Fada.
Para alguns Chefes de Equipe,
quando lhe cobravam tais impertinências, ela se “vestia” de Primeira-dama e até constrangia alguns,
ao fazer-lhes ameaças de queixar-se ao poderoso “namorado” que simpaticamente
sempre afirmava que ela não o representava.
Ela tinha pose de poderosa e parecia gostar. Num belo dia, num belo voo, num
belo Caravelle da Cruzeiro do Sul, a bordo tudo azul, essa criatura tão bela,
destratou outra não menos bela, porém, extremamente dedicada à sua lida
profissional e, sendo a Chefe de Equipe do voo, quando retornou ao Rio de
Janeiro dirigiu-se à Chefia e relatou por escrito o ocorrido.
Comprovada a ação, viu-se a
reação efetivada em sumária demissão e nunca mais ouviu-se falar sobre a
“função” de Primeira-dama a Bordo, tampouco escutou-se o nome da
bela jovem, que também perdeu o “título” de namorada daquele simpático
Comandante.
(4) Em determinados Condomínios, de acordo com a
respectiva Convenção e devido ao desinteresse pelo cargo de Síndico, se
estimulam candidaturas oferecendo uma série de benefícios como remuneração,
isenção de taxas ou descontos. Sem dores de cabeça, seria um “baita”
privilégio.
Morei num prédio de
apartamentos cuja síndica se sentia como se fosse uma real mandatária e tratava
os condôminos como plebeus desprezíveis.
Ela se “achava” a Rainha Vitória.
Numa reunião, um agradável senhor, gentilmente, pediu para verificar as contas
do condomínio e se deparou com um crasso erro de matemática. Respeitosamente,
inquiriu a pretensiosa síndica sobre a cota extra que iria ser cobrada, dizendo
que o valor estava errado e que pelos seus cálculos, deveria ser menos do que a
metade.
Olhos arregalados e aquele
silêncio que precede a reprovação do público. Ato contínuo, todos os presentes
verificaram que, de fato, existia o erro no cálculo da divisão em cotas.
Foram pedidas as contas dos
meses anteriores para serem revistas e outros erros de cálculo foram
encontrados.
Depois de extensa e profunda
verificação nas contas do condomínio, todos os condôminos chegaram à conclusão
que durante o exercício daquela síndica, ou seja, em mais de quatro anos,
gastou-se uma fabulosa quantia e, rapidamente, solicitaram o “impedimento” da
síndica e a devolução do que havia sido pago, o que evidentemente ocorreu na
Justiça.
No mês seguinte, sem aquela
senhora a burlar a confiança dos condôminos, o valor das cotas para cada
unidade habitacional, caiu para 45% do valor anteriormente cobrado.
Um novo síndico foi eleito
para o exercício de dois anos e o Conselho Consultivo passou a ser atuante e
decidiu que, sem que fosse feita uma avaliação prévia, nenhuma cota extra
poderia ser cobrada pelo síndico.
Três anos se passaram e a
antiga síndica, depois de processada, julgada e condenada, teve de vender o seu
imóvel para devolver o valor cobrado indevidamente, acrescido de multa e das
cabíveis correções e juros.
(5) Há algum tempo, passei a fazer parte de um clube
chamado More-or-less que, pela minha interpretação, teria como atividade principal, prevista nos seus estatutos,
ajudar e proporcionar uma melhor qualidade na “pesca” para seus associados.
Ao frequentar esse clube,
coisa que fiz umas quatro vezes, comecei a observar que por lá se usa de
evasivas e subterfúgios que, em discursos vagos e sem muita clareza, demonstram
sutilmente a manutenção do status quo e,
com isso, relega-se o preceito básico constante do seu Estatuto, o atendimento
aos anseios de seus associados junto aos órgãos competentes.
Nessa oportunidade, juntamente
com outros interessados, propusemos que fosse feita uma publicidade maior, com
um canal de comunicação mais modernizado e, futuramente numa visita àa
Pescavic, fazer um “lobby” para
alavancar maior difusão das atividades e da representatividade deste clube pesqueiro.
Na mesma data, propusemos
também que nos quotizássemos para tornar realidade a compra de anzóis e iscas
para o agradável esporte de “pescarias” que pretendíamos iniciar. Porém, de
modo peremptório o Dirigente-Mor afastou qualquer possibilidade do clube
encabeçar tal iniciativa alegando que o tempo prescreveu, isto porque já havia se
iniciado o “defeso”, que é a época de procriação das espécies aquáticas.
Obviamente, foi um descontentamento geral.
Na minha última visita,
percebi que esse dirigente se declarou como um monarca dogmático e
inquestionável, cujo poder que exerce é feito de modo absoluto e isolado.
As sugestões que foram
apresentadas para a melhoria do clube e consequente aumento do número de
associados foram relegadas e nem lidas, por total descaso dele. Só faltou serem
dispensadas na lata do lixo, pois ele sequer tocou em alguma página.
Foi observado que o nome do
clube estava mais para “less” do que
para “more” e então foi sugerido
também a troca do nome para “Much more
fun”, porém, o mandatário fez entender definitivamente, ao se expressar
soberbamente como Le Roi Soleil, ou
seja, de modo impositivo, quase que bradando, disse “je suis le club et le club c’est moi”.
Tornou-se claro que ninguém
tem qualquer poder além dele e que o nome do clube continuaria assim mesmo...
na fantasia.
Pois é, sem a força da
representatividade dessa instituição de “pesca artesanal” se torna difícil qualquer
intenção virar ação e, nessa fantasia, nota-se que esse clube carece
urgentemente de profundas mudanças.
Estas cinco histórias têm como
objetivo, demonstrar como o indivíduo se transforma ao receber um simples cargo
ou função sem estar preparado para exercê-lo dentro do direito, sendo
competente, proativo, producente, probo e conciliador, que são os adjetivos
inerentes à boa prática do poder, da liderança e da representação.
Infelizmente, percebo que
existem criaturas que não têm a legal representatividade, mas que se
mostram a todo instante parecendo ser influentes e que possibilitam os
acontecimentos esperados por um grupo. Será isso um trampolim para futuras
escaladas?
Imagine uma criatura num cargo
com maiores privilégios, regalias e benesses alem, é claro, do foro
privilegiado.
Para analisar profundamente e
pensar o que se pode fazer para termos o “privilégio”
da nossa representatividade realmente ativa... na função.
Título e Texto: Jonathas Filho, pensando no amanhã...
27-10-2015
A demonstração de obtenção de "privilégios" que certos indivíduos conseguem , e que são apresentados nesta crônica , enfoca uma das características do ser humano, e em qualquer lugar do planeta. Uns apresentam maior intensidade, outros nem tanto. Certa vez um diretor de uma mega empresa aérea disse:
ResponderExcluir" - Se quiserem saber o comportamento de um homem, deem-lhe o poder! "
Isto não se dá apenas nas empresa aéreas . Ocorre em grandes instituições como bancos , hospitais, setor público , ONGS e , principalmente, no meio político.
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A vaidade é parte do comportamento das pessoas. O exemplo citado nos escritos epigrafados mostra que essa atitude é bastante comum em membros de uma empresa qualquer.
No hospital, por exemplo, uma enfermeira e um cardiologista se apaixonam. Em pouco tempo essa profissional poderá ficar tão lisonjeada e embevecida , que se sentirá tão importante quanto a grandiosa Anita Garibaldi. Provavelmente os demais enfermeiros e técnicos em enfermagem sentirão grande inveja e antipatia pela colega que " lancetou o coração" do cirurgião.
Nas micro-empresas, escritórios com meia dúzia de empregados é mais difícil acontecer o fato . As disputas são reduzidas. Há menos gente envolvida ( o que não quer dizer que não possa ocorrer).
O perigo nisso tudo é quando o poder é concedido a alguém despreparado, ou que carrega alguma mágoa dentro de sí ; ranços mal resolvidos no passado, por exemplo.
Digamos um indivíduo provinciano almocreve, mas com grande desejo de alcançar poder e brilho pessoal; luta durante boa parte da vida e acaba, por fim, no posto mais elevado de uma nação qualquer. Aquele povo lhe renderá homenagens e o irão coroar de verdes louros. Afinal, ele começou "por baixo"...
E esta mesma criatura, que antes criticava o modo de agir dos seus antecessores, certamente ao chegar lá procederá igual ou pior do que aqueles faziam. Felizmente não somos todos assim, mas não dá para saber como determinada pessoa irá se comportar num tempo "futuro", caso esteja em posição de destaque.
É o caso de um médico e um comandante de aeronaves que se "julgam" melhores do que outros profissionais, pois estudaram e se dedicaram anos a fio para ocuparem aquela posição..
Suponhamos agora que esse médico seja acomodado no cockpit de um Airbus em voo, com a missão de pousar a aeronave em Nova Iorque . Já o comandante do Airbus está equipado no interior da UTI de um famoso hospital, pronto para retirar um tumor malígno de um nefropata na mesa de operação. Qual dos dois terá êxito no manuseio correto dos equipamentos em suas mãos ?
A resposta é que somos todos ignorantes, só que em assuntos diferentes.
Um abraço e um ótimo dia a todos.
Sidnei Oliveira
Assistido Aerus - RJ