Maria João Avillez
Mesmo sabendo que na política
há mais surpresas do que na vida, o mal está feito: António Costa não terá,
face ao país ou face a mim mesma, segunda oportunidade para se redimir deste
assalto ao poder.
1. De longe o mais extraordinário que está a acontecer em Portugal
é que é tudo verdade: não é um sonho, uma ficção, uma mentira, um equívoco, uma
ambiguidade, um pesadelo do qual se acorda com indizível alívio apesar do
estômago colado às costas e da garganta seca.
Podendo ser isso tudo, a coisa
mais forte porém é que é verdade. O último acto desta nunca entre nós estreada
peça pode vir a ter como epílogo um governo socialista acolitado de
estalinistas e anti-europeístas radicais. Algo totalmente fora deste tempo e
deste espaço, mas sobretudo fora das regras eleitorais do Estado de Direito
onde vivemos desde há quatro décadas; fora da Europa onde pertencemos; fora do
Ocidente de onde somos (ou pode-se porventura arrumar a Nato num qualquer
temporário entre-parêntesis ou encaixar a pertença à moeda única numa questão
que se pode ou não, tanto faz, “deixar estar” ou ” deixar cair”?).
Sim, uma estreia absoluta em
Portugal mas, hélas, fornecida por uma realidade, que embora
enviezada e politicamente ilegítima é concreta, de carne e osso. Razões:
nenhumas a não ser o pior da natureza humana. Eis o que não estava no nosso
programa de vida, nem na agenda do país. Não estava de todo. Não me confundam
por favor: não se trata de achar que o PS e o seu líder não têm direito a
governar com quem quiserem. Têm, desde que antes disso, tenham ganho eleições
ou se se provar que quem as ganhou não encontra condições de navegabilidade.
Também não é – seria demasiado
imbecil – questão de não gostar de governos de esquerda. Trata-se de os achar
politicamente ilegítimos quando, como é o caso, seriam fundados – e escorados –
numa usurpação: o PS chegou à meta em segundo lugar e não em primeiro e
pronuncia-se, age e comporta-se em festa e frenesim, como se os socialistas
tivessem vencido. Ou como se tivesse sido experimentada uma nova governação da
coligação que tivesse já derrapado mil vezes.
O país sabe que se trataria de
uma usurpação, a Europa também, o mundo também. E last but not least, os
portugueses também sabem. Mesmo que fazendo deles parvos-parvíssimos se evoque
“a Constituição” como fonte legitimadora de um governo eleitoralmente anormal.
2. Talvez ninguém
tenha sintetizado tão certeiramente a frenética, envenenada valsa de António
Costa, como Viriato Soromenho Marques quando sobre ele escreve (DN) que “ (…)
correndo ainda o risco de ser visto como o único caso da III República de um
secretário-geral que, em vez de se tornar primeiro-ministro depois de ganhar as
eleições, quer ser primeiro-ministro para se manter como secretário-geral,
mesmo depois de as ter perdido”.
É de tal maneira assim que o
veneno da valsa contaminará antes de tudo o próprio Costa, mas sobretudo o PS
que eventualmente passará a dois partidos, fruto de uma cisão, mesmo que talvez
numericamente menos expressiva. Tornando as coisas claras: o PS, um dos pilares
da democracia erguido há mais de quarenta anos e eixo maior da governabilidade
do país desde então, iria ao ar em dois segundos, transformando-se numa
irreconhecível força política. Disputando taco a taco o espaço do BE e do PCP
que chegaram primeiro e já lá têm lugar cativo. Nunca mais se contaria com eles
para coisas sérias.
3. Ao contrário, o
espaço à direita do PS, sairá, não se duvide, ileso de tudo isto. Enganado mas
incólume. Se vierem a desaguar na oposição, PSD e CDS serão implacáveis. Mais
unidos que nunca, quando falam do país sabem o que dizem e do que falam. Estão
serenos como um lago suíço e, ao contrário de António Costa, não estão
desesperados, nem têm pressa. Sabem que o tempo corre a seu favor. Têm agido
com responsabilidade e inteligência política. Não foi devido a eles que as
bolsas já hoje se inquietaram e ainda a procissão não saiu da igreja.
À hora a que escrevo não
começou a segunda reunião entre o quinteto socialista e o friso da coligação
mas já se conhece aquilo que mais importa e que habilitará o país a julgar da
boa fé dos protagonistas políticos. Refiro-me à pertinência do trabalho
politico feito pelo PSD e pelo CDS sobre o guião de António Costa. Há quem veja
na atitude do PSD e do CDS destes últimos dias uma anemia, um excesso de
placidez, uma desistência. Puro engano. Ninguém dançou valsas em falso,
apresentaram trabalho político e com ele encostaram ainda mais António Costa ao
seu próprio limite. Tudo ficou à vista de todos.
4. Quando há já
bem mais de um ano escrevi aqui um texto de opinião em que deixava vir à tona
das palavras a minha simpatia pessoal por António Costa (e sim, sempre foi
pessoal e nada política, o que de resto só piora hoje as coisas), um bom amigo
alertou-me: “vais pagar caro esse artigo, e lembra-te disto quando daqui a uns
tempos ele te for seriamente cobrado”.
Pois bem, já está a ser. A
factura é caríssima, a responsabilidade é minha e não tenho idade nem para
dizer que me enganei, nem para fingir que não é “bem assim”. É muito pior que
“bem assim”. Sucede que assumir um engano (o meu) desta natureza não o torna
automaticamente mais explicável, mais compreendível ou compreensível e é por
isso que, – repito – é preciso ir buscar a chave deste alarmante comportamento
de António Costa ao pior que pode haver dentro de alguém. E mesmo sabendo nós
que na política há ainda mais surpresas do que na vida, o mal está feito: haja
ou não haja estreia da peça, António Costa não terá, face ao país ou face
a mim mesma, uma segunda oportunidade para se redimir deste seu assalto ao
poder.
Título e Texto: Maria João Avillez, Observador, 14-10-2015
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Alberto Gonçalves:
ResponderExcluirNão compreendo a coligação. Negociar com derrotados já é esquisito. Negociar com escroques é um absurdo total.
https://www.facebook.com/alberto.goncalves.10004?fref=nf