Maria João Marques
Quanto
ao esganiçadas, não vejo onde está o exagero. Apenas almas quadriculadas julgam
não se poder comentar a forma, tantas vezes odienta, como se expressam as
dirigentes do BE só porque são mulheres
As damas
As coisas mais importantes
primeiro. Vi na semana passada, em estreia planetária, o filme Jogo de Damas, a primeira longa-metragem
da realizadora Patrícia Sequeira. Não vale a pena fingir aqui desprendimento
com o filme ou com a autora. A Patrícia é uma amiga que me está debaixo da
pele. Temos uma daquelas amizades que não só resiste às distâncias que os
caminhos diferentes das vidas adultas impõem como, de alguma maneira, vive numa
distância próxima. De cada vez que nos vemos retomamos tudo como se em vez de
meses (e chegou a ser anos) tivesse passado meia hora desde a última vez; e
contamos as novidades mais bombásticas e inconfessáveis com toda a naturalidade
numa conversa a correr num parque de estacionamento.
Escrevo isto porque o filme da
Patrícia é sobre amizades femininas, para verem como é assunto de que percebe
bem. De resto o filme é uma exibição da amizade da realizadora e das atrizes –
umas soberbas Ana Padrão, Ana Nave, Fátima Belo, Maria João Luís e Rita Blanco.
É um filme feito por mulheres sobre mulheres.
As amizades femininas (tirando
a excentricidade que foi O Sexo e a
Cidade) são geralmente maltratadas no cinema e na TV. Como os homens
predominam, mostram a sua visão preferida das relações entre as mulheres:
cabelos puxados em feroz competição pelos espécimes masculinos. Jogo de Damas faz muito bem as despesas
de colmatar esta falha. Tem silêncio e tem ritmo. Tem lágrimas e tem riso. Tem
as ondas de choque de uma história de amor enternecedora. Tem uns maravilhosos
quadros de Cecília Costa.
Não diria de mim o que Mr.
Darcy diz de Elizabeth em Orgulho e
Preconceito – ‘your good opinion is rarely bestowed’ – mas costumo elogiar
só com sinceridade. Pelo que esta referência não é um favor que faço a uma
amiga; é àqueles que se convencerem a ver o filme.
As esganiçadas
Pedro Arroja disse há uns dias
no Porto Canal das senhoras que dão a cara pelo BE que são umas ‘esganiçadas’ e
que ‘não as queria nem dadas’. O que causou rasgar de vestes, nervos
escaqueirados e o distanciamento do Porto canal destas declarações tonitruantes
de Pedro Arroja.
Ora por partes. Claro que não
se pode aceitar que as mulheres políticas sejam avaliadas pela sua capacidade
de originarem desejo para formar família nos comentadores televisivos
masculinos. A função é votarem leis e fiscalizar o governo, não acelerar os
batimentos cardíacos do comentador sensível. Pedro Arroja avaliar as senhoras
do BE como entende e outros podem mostrar-se chocados.
Mas, quanto ao ‘esganiçadas’,
não vejo onde está o exagero. Apenas almas quadriculadas julgam não se poder
comentar a forma – tantas vezes odienta – como se expressam as dirigentes do BE
só porque são mulheres. Francisco Louçã também era esganiçado, digo agora eu, e
falava sempre com contundência e os olhos muito abertos próprios de um acusador
da Inquisição (que Louçã não deixa de ser).
Neste caso os escandalizados
mostraram a habitual hipocrisia. Porque quando os alvos são as mulheres de
direita, estão na primeira fila dos ataques ou não têm reação. Ainda há poucos
dias li considerações assaz deselegantes de Estrela Serrano sobre Teresa Leal
Coelho. A imagem de Isabel Jonet é gozada ad
infinitum.
E recordo-me da agitação – não
no socialista anónimo das redes sociais, mas em ex-deputados do PS e em jovens
promessas que agora transportam com enlevo a esperança de uma assessoria no
futuro governo da frente desunida de esquerda – que a gola de renda de Isilda
Pegado num debate da televisão gerou nas ditas almas.
Já é tempo de a esquerda
perceber esse bom conceito que é a reciprocidade do escrutínio.
As sufragistas e os traidores
Trago outro filme, As Sufragistas, com histórias de
mulheres que pagaram o preço de exigirem o direito de voto. Vale a pena ver o
filme – pelas recomendáveis Carey Mulligan, Helena Bonham-Carter e Meryl Streep,
pelo argumento e pelo tributo (merecido) que é.
Tinha pensado referi-lo ainda
antes dos atentados de Paris. Ia escrever como é de uma ironia amarga que o
país que nos deu as bravas das sufragistas – que lutaram também pela tutela
legal das mulheres sobre os filhos, um dos temas que atravessa o filme – seja o
país onde um desmiolado (então Arcebispo da Cantuária) sugeriu a introdução da
sharia no quadro legal a aplicar às comunidades islâmicas residentes na
Grã-Bretanha. Oh, nada de atrocidades como cortar mãos a ladrões ou decapitar
espíritos livres que criticam o islão. A ideia era aplicar a sharia ao direito
familiar (essa coisa sem importância). Traduzindo: o desmiolado propôs
precisamente a diminuição dos direitos das mulheres islâmicas residentes na
Grã-Bretanha em questões de heranças, de divórcio e na tutela sobre os filhos.
Como responder ao extremismo
islâmico que já está dentro da Europa é uma questão para um milhão de dólares.
O encerramento das mesquitas que propagam o radicalismo e incitam à violência é
um ótimo primeiro passo (de preferência com expulsão dos envolvidos). Ora um
segundo passo admirável seria proclamarmos finalmente – por nós e pela memória
das sufragistas – que a violência sobre as mulheres e a supressão dos seus
direitos que o islão advoga é incompatível com os valores europeus e
inaceitável entre gente civilizada.
Deixo aqui uma sugestão
simbólica: proibir na UE o véu islâmico e o niqab em todos os edifícios,
transportes e serviços públicos; e incentivos (em última instância fiscais, que
as taxas e os impostos também devem estar ao serviço dos valores
civilizacionais) aos espaços e negócios privados para decidirem igual medida.
Nem é original: fui buscá-la quase toda a Mustafa Kemal Ataturk.
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