Flavio Quintela
Passei a adolescência e
juventude inteiras chamando meus amigos por vocativos carinhosos como bicha,
veado, boçal, retardado, jumento e outros do mesmo calibre. Em retribuição
ouvia não só as mesmas coisas, como outras como lupa (referência à minha miopia
de dois dígitos), baleia (fui gorducho até os 12 anos de idade), CDF etc. Para
nós, moleques no final da década de 80, era impossível ver o Ney Matogrosso ou
o Clodovil na televisão e não gritar, quase que num ato reflexo, “bicha louca!”
As coisas mudaram. Naquela
época, colocar um brinco significava ser devidamente atormentado por meses a
fio, e receber uma quantidade redobrada de apelidos. Hoje, quem xinga o goleiro
do time adversário de veado e é pego pelas câmeras de televisão pode acabar
tendo a vida destruída pelos ativistas das mídias sociais. Um professor
esquerdista típico é capaz de criar um ciclo de palestras para festejar seu
aluno pré-adolescente que resolveu se assumir homossexual, e formalizar um
pedido de suspensão do outro que disse, baixinho, “bicha”.
A ditadura do politicamente
correto, um dos filhotes mais feios e chatos da esquerda, acabou com a graça da
vida. Seu lema principal é o “não pode”. Não pode caçoar da obesidade, da
miopia, da opção sexual, da inteligência, da falta dela, da estatura, do
cabelo, da careca, da cor, da etnia, dos trejeitos, do jeito desengonçado, da
gagueira, da falta de habilidade e da idiotice de ninguém. Junto com essa
vitimização veio também o desprezo pela beleza, pela estética, pela arte e pela
verdade. O relativismo agigantou-se e fez uma inversão que jamais poderíamos
esperar ou desejar: o belo tornou-se desprezível e o feio cultuável; a
genialidade é loucura, e a mediocridade é desejável; o esforço é para idiotas,
e o direito imerecido é para todos. Não é preciso ser muito inteligente para
perceber que esse tipo de pensamento é baseado fundamentalmente em um
sentimento torpe: a inveja. Afinal, se não posso ser belo, desprezarei quem o é
e exaltarei meus semelhantes. Se me falta a genialidade, retratarei os gênios
como loucos e diminuirei suas conquistas. Se criar a verdadeira arte me é
impossível, criarei qualquer lixo e o elevarei ao patamar de obra-prima. Isso é
o que qualquer invejoso faz sozinho; o problema é quando muitos invejosos, juntos,
ditam o ambiente cultural de uma nação – em grupo eles se protegem, se reforçam
e ocupam espaços importantes, mudando os critérios de forma a agradar a si
mesmos e a seus pares.
Esse é um dos grandes
problemas do Brasil de hoje, e um difícil de resolver. Deixamos que os
invejosos ocupassem muitas posições importantes e que ditassem muitas regras
que sequer deveriam existir. E invejosos são como qualquer outro ser vivo da
natureza: eles geram outros invejosos.
Escrevi este texto durante
um voo para o Brasil, impactado por uma imagem que jamais sairá da minha
mente, infelizmente. É a de um sujeito muito gordo e nu, sentado no chão e
lambuzado de azeite de dendê. Ele chama aquilo de arte, e eu nem sei do que
chamar. Afinal, se eu disser que ele é um gordo enorme, serei gordofóbico; se
disser que as tetas dele são maiores que as de uma índia, estarei
desrespeitando os nativos; se disser que aquilo é nojento, é capaz de ser
acusado de preconceito contra os baianos, já que eles apreciam muito o tal
azeite. E assim, como todo mundo faz parte de uma minoria a ser protegida,
ninguém mais pode dar boas risadas do ridículo alheio.
Vasculhando minha mente,
lembro-me de uma categoria de pessoas que ainda não foi descoberta pelos xiitas
do politicamente correto, e que renderiam boas risadas: as pessoas que gostam
de comida de avião. Pena que eu sou uma delas.
Título e Texto: Flavio Quintela é escritor,
jornalista e tradutor. É autor dos livros “Mentiram (e muito) para mim” e “Mentiram para mim sobre o desarmamento”.
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