Jacinto Flecha
Numa roda de médicos, bem
antes de eu me exilar em São Paulo, um colega se referiu a um ornitólogo
brasileiro, muito em evidência na imprensa da época. Tinha sido colega dele no
grupo escolar, quando passava quase todo o tempo livre trepado em árvores para
observar a vida dos passarinhos nos seus ninhos. O comentário geral era que ele
nunca conseguiria ser nada na vida, se continuasse perdendo tempo com
passarinhos. O colega não entrou neste detalhe, mas imagino que ele mesmo e
muitos outros também gostavam de passarinhos – uns para matar, outros para
capturar com alçapões, outros para roubar os ovos dos ninhos. O futuro
ornitólogo encarava os passarinhos de modo diferente, e talvez fosse este o
motivo da crítica generalizada.
Teria recebido dos pais ou de outras
pessoas o incentivo para prosseguir naquilo que tantos consideravam perda de
tempo? Ou teria ele resolvido enfrentar oposições, para afinal realizar o que
os colegas não entendiam? Não tenho mais dados sobre a infância desse
ornitólogo, para fornecer informações confiáveis. Mas posso fazer conjeturas
sobre dificuldades e oposições, apoios e incentivos numa carreira que se
esboçava naquela preferência de uma criança. Pode ter sido tudo fácil, mas pode
também ter ele sofrido muito ao enfrentar zombarias, oposições, maledicências.
O êxito ou fracasso das
pessoas pode depender da interação de preferências pessoais com as
manifestações externas, sejam estas favoráveis ou contrárias. Alguns dos
grandes personagens históricos contrariaram meio mundo para realizar seus
projetos. Se não fossem arrojados, tenazes, talvez não o conseguissem. Para
outros, o êxito só foi possível por seguirem bons conselhos, adaptar-se ao que
outros mostravam ser mais conforme aos seus talentos. Oposições para uns,
facilidades para outros, apoios e conselhos para muitos, tudo isso pode
conduzir a bons resultados ou maus, em função de inúmeros fatores individuais
ou alheios.
Parecem-me suficientes, para o
tema desta crônica, as considerações que acabo de fazer sobre este assunto delicado
da educação: Deve ser apoiada ou reprimida tal preferência ou tendência?
Decisão difícil, com que o educador depara em cada manifestação da criança. Não
é fácil definir se uma tendência é boa e deve ser apoiada, ou má e ser
combatida. Não é fácil proibir sempre o que é objetivamente um mal. Não é fácil
apoiar e aprovar sempre o que é bom. Por isso mesmo não é fácil a vida de
educador, que todo pai e mãe são chamados a ser.
O que pretendo contar-lhe hoje
é um resultado muito útil para pessoas da minha área profissional, que só foi
possível com minhas experiências pessoais em brinquedos infantis. Junto com meu
irmão mais velho, construímos uma gangorra de madeira para brincarmos juntos.
Ela nos deu muito mais alegria do que dariam essas de plástico, bonitinhas,
comuns em qualquer parque de diversões.
Iniciávamos nossa brincadeira
ficando cada um bem na ponta do seu lado da gangorra. Mas meu irmão era mais
pesado e inclinava a gangorra para o seu lado. Eu subia, mas não conseguia
descer, enquanto ele permanecia encostado no chão, zombando de mim. Quando se
cansava de me atormentar, afastava-se um pouco da ponta e se aproximava do
ponto de apoio da gangorra. Restabelecido assim o equilíbrio, podíamos ambos
subir e descer alternadamente, cada um a seu tempo. Este é um aspecto bem
conhecido por qualquer pessoa que tenha brincado em gangorra, mas essa
experiência infantil ajudou-me a resolver um problema bem conhecido de todos os
laboratoristas.
Em qualquer laboratório, o
centrifugador ou centrífuga é um aparelho comum, destinado a separar estruturas
ou substâncias mais leves das mais pesadas, por meio da força centrífuga.
Girando em alta velocidade tubos contendo misturas diversas, o que é pesado vai
para o fundo do tubo, e o que é leve fica numa camada superior. Os tubos
colocados em posições opostas precisam ter pesos iguais ou bem próximos, para
evitar trepidação no movimento giratório, e a comparação dos pesos dos tubos é
feita visualmente. Isso toma muito tempo e é um trabalho bem aborrecido. Um
problema antigo, que já esquentou a cabeça e esgotou a paciência de muita
gente.
Em breve deixará de existir
essa dificuldade, pois consegui resolvê-la obtendo o equilíbrio de modo
semelhante ao que usávamos naquela gangorra da minha infância: Sendo maior o
peso de um lado, um sistema automático afasta o peso do outro lado. Assim, ao aumentar
a distância do peso menor, ele adquire força centrífuga maior e compensa a do
peso maior que está no outro lado, restabelecendo o equilíbrio.
Como funciona isso? Não dá
para explicar numa crônica como esta, mas é certo que eu não teria resolvido o
problema sem os meus conhecimentos infantis sobre gangorra. Até as
impertinências do meu irmão contribuíram para isso. Estou mesmo pensando em
aplicar-lhe agora os cascudos que fiquei devendo na época…
Título, Imagem e Texto: Jacinto Flecha, ABIM, 28-11-2015
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