Jacinto Flecha
Encontrei na Internet umas
fotos turísticas, entre elas uma do Tirol mostrando uma bela pedreira, e
comentei com meus botões: Essa pedreira é igualzinha àquela da minha cidade!
Se você não conhece a cidade
onde nasci, não sabe o que está perdendo. E se pretende conhecê-la, não saberá
depois o que ganhou. Meus botões já haviam fornecido várias sugestões para uma
ampla campanha publicitária destinada a desviar turistas do Tirol para lá,
quando comecei a notar as diferenças. E vi-me obrigado a deixar meus botões em
paz.
Não cansarei o leitor com a
descrição das diferenças, que podem ser resumidas em dois qualificativos:
caipirismo e civilização. Confio ao seu critério atribuir corretamente os
qualificativos, assim me abstenho de influir na sua opção por fazer turismo no
Tirol ou na minha cidade. Minha decisão é também preventiva, pois não sei o que
acontecerá com minhas orelhas se alguém tomar decisões turísticas diferentes
das minhas…
Comparar coisas, pessoas,
ambientes, a fim de constatar, distinguir e entender as semelhanças e
diferenças, eis um ótimo exercício mental. Cada um faz isso, implícita ou
explicitamente, nas suas áreas de atenção e atuação. Estas duas últimas
palavras, tão semelhantes na forma e tão diferentes no significado, conduzem-me
a um passatempo interessante quando praticado criteriosamente, mas
terrivelmente aborrecido se alguém o pratica sem propósito, a torto e a
direito. Tenho constatado, aliás, que a maioria só sabe fazê-lo a torto.
Refiro-me ao trocadilho.
Apresso-me em informar que eu
também detesto o chamado trocadilho infame, distante do bom
trocadilho tanto quanto o caipira em relação à civilização. Portanto, não vou
impingir-lhe os aborrecimentos que já tive com esse horrível
desmancha-prazeres. Relatarei apenas três ótimos trocadilhos, dois dos quais
presenciei no meu tempo de colégio interno.
• No refeitório do colégio,
cada mesa era ocupada por cinco estudantes de cada lado e um na cabeceira, este
responsável pela disciplina local. Houve no colégio uma epidemia de
trocadilhistas, todos competindo a toda hora para perpetrar o mais “infame”. A
tal ponto que o disciplinário da cabeceira resolveu proibir trocadilhos naquela
mesa, sob pena de o recalcitrante perder certas regalias no fim-de-semana.
Ninguém se atrevia, mas um colega que atendia pelo apelido de Distinto achou
jeito de fazer um ótimo trocadilho sem incorrer na punição.
As vasilhas com os alimentos
eram transportadas por um servente em uma grande bandeja de madeira, e ele as
colocava na cabeceira das mesas. Em seguida, cada um se servia. A sobremesa
desse dia eram bananas, e na distribuição para os onze da mesa coube ao
Distinto uma banana amassada. Ele a pegou, mostrou-a com cara triste ao Adílio
(era este o nome do servente), e disse com voz chorosa:
— Troca, Adílio!
• Outro colega, que gostava de
cutucar os professores, conseguiu entrar numa enrascada por causa de um
trocadilho, mas saiu dela por meio de outro. Detoni era bom professor, mas
muito exigente, e gostava de tripudiar sobre os coitados que não sabiam a
lição. Começou a primeira aula do segundo semestre nestes termos:
— Então vamos iniciar o
semestre.
O colega cutucador cochichou
com outro:
— Sem mestre.
Mas o Detoni, além das
referidas qualidades, tinha bom ouvido, e perguntou em tom agressivo:
— O que é que você disse aí?!
E o cutucador se desapertou
com esta:
— Sim, mestre.
• Um amigo paulista não gosta
de ar condicionado, mas o calor exigia algum tipo de refrescante. Instalou um
ventilador numa mesa ao lado da escrivaninha, onde mantém os dicionários de uso
mais frequente. Para os amigos que o visitam, explica:
— Este é o meu
ar-com-dicionário.
O trocadilho joga com
semelhanças e diferenças, tanto na forma quanto no conteúdo. Além disso precisa
se encaixar bem nas circunstâncias ou no assunto da conversa, mas esta é uma
qualidade geralmente ausente. Vem principalmente dessa falta o qualificativo de infame,
pois equivale a umanota fora do tom. A palavra inglesa que designa
trocadilho (pun) é onomatopaica, e lembra o choque desagradável que se
tem quando alguém comete um trocadilho infame.
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