Gregorio Vivanco Lopes
Sempre apreciei muito o
Barnabé. É fora de dúvida que ele tem qualidades. É reto, despretensioso, de
trato agradável. Mas o coitado tem um defeito incorrigível, tão incorrigível
que acabou por fazê-lo ficar de miolo mole.
O defeito do Barnabé é que ele
acredita piamente em tudo quanto dizem os intelectuais da última moda, aos
quais uma literatura pseudo-filosófica e certos cadernos da mídia concedem
grande audiência. E o mais triste é que o pobre Barnabé procura seriamente
aplicar na vida concreta as fantasias elucubradas por esse gênero de sonhadores
utópicos que a esquerda costuma produzir a rodo.
A última enrascada em que
Barnabé se meteu foi acreditar que os animais têm direitos iguais aos dos
homens. Mais ainda, que os animais são iguais aos homens. Eu não sei em que
leituras ele se meteu, nem que palestras ouviu, mas o certo é que ficou
convencido da propalada igualdade. E, como é seu vezo, logo se aplicou em
transferir para a prática a utopia mirabolante.
Para cúmulo dos males, ele
tinha um cachorro de estimação, um fox terrier branco e engraçadinho,
que atendia pelo nome de Pimpão. Não é que o pobre Barnabé concedeu estatuto de
igualdade ao Pimpão!
Às refeições, lá estava a
cadeira do cãozinho, que deveria sentar-se educadamente, com o guardanapo ao
pescoço, tendo à sua frente o prato e os talheres. Na hora de dormir, o Pimpão
tinha seu quarto e sua cama, com lençóis limpos e um cobertor de reserva para o
caso de esfriar à noite. Uma pia bem baixa, com lugar para o sabonete e a escova
de dentes, foi especialmente encomendada.
Tudo estava perfeito, e
Barnabé contentíssimo. Mas a dificuldade surgiu: o terrier não se
compenetrava de que era igual aos homens e não agia de acordo com a etiqueta.
Aí começaram as agruras do Barnabé: como fazer para tornar eficaz essa
igualdade com um cabeçudo como o Pimpão, que timbrava em agir como cachorro, e
não como homem?
Barnabé começou então a dar
tratos à bola em busca de uma saída para um problema tão inesperado. Ele era
inteligente, não propriamente intuitivo, muito menos esperto, mas raciocinante.
Foi então –– em meio a essas
sessões escaldantes de raciocínio apertado, em que o cérebro fervia de tanto
trabalhar –– que a solução pulou de dentro da cabeça de Barnabé, como lançada
por uma mola. Nem o estalo de Vieira pode-se comparar a tanta lucidez
repentina:
— Eureka! Achei! Pimpão e
eu somos iguais. Se ele não quer se portar como um igual em relação a mim, eu
vou me portar como um igual em relação a ele.
E eis o pobre Barnabé andando
de quatro, comendo no prato de ferro do terrier, forçando sua coluna
vertebral para caber dentro da casinha do cachorro; e –– coitado! –– latindo
quando alguém se aproximava.
A última vez que o visitei no
manicômio, os médicos me asseguraram que a situação dele é reversível, e que
ele tem cura. É questão de tempo, e sobretudo de não permitir mais que ele leia
qualquer literatura pseudo-filosófica ou as seções “culturais” de certa mídia.
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