quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

Cabe a quem governa escolher o caminho

Pedro Passos Coelho
O ano de 2016 será importante para mostrar se o resultado alcançado pelo nosso país nos últimos anos foi uma mera consequência da imposição da vontade dos credores ou se correspondeu também a uma vontade inequívoca dos portugueses.

Não é, obviamente, indiferente uma hipótese ou outra.

No primeiro caso, dir-se-á que as autoridades nacionais, na ausência do controlo exigente dos credores, não farão o que é necessário para continuar as reformas estruturais já iniciadas e que encontrarão todas as desculpas para interromper os esforços de consolidação orçamental, minando a confiança e pondo em causa as condições mais adequadas ao crescimento económico e à criação de emprego. Por outro lado, com isto tenderão a ressurgir dúvidas sobre a nossa capacidade para sustentar a dívida e saldar responsabilidades, o que penaliza a nossa capacidade de financiamento e as condições mais elementares de crescimento.

No segundo caso, que é o que mais desejamos, dir-se-á que a saída limpa do programa de assistência não foi um acaso e que Portugal decidiu marcar um tempo de reforma estrutural que não quer reverter e que, pelo contrário, fará até por aprofundar, incutindo confiança e garantindo uma recuperação económica e social reforçada.

É evidente que o resultado final depende sobretudo da vontade política do Governo. E é assim, felizmente, porque hoje a margem de escolha é, apesar das restrições reais e conhecidas, muito maior do que nos anos precedentes, em que cumpríamos o Memorando deixado pelo resgate. É também muito visível, infelizmente, que as primeiras impressões que se podem recolher da vontade da nova maioria socialista e comunista que suportam o Governo são negativas e apontam mais para a hipótese que desejávamos rejeitar.

Cabe-me sobretudo, nesta ocasião, explicitar melhor as razões que, no meu ponto de vista, recomendam uma estratégia diferente daquela que parece estar a ser seguida, deixando os leitores julgar a pertinência das opções em aberto.

O país tem hoje uma economia a crescer e a gerar emprego, apesar do elevado nível de endividamento público e privado acumulado durante muitos anos. O mais importante é que tem conseguido suportar este crescimento com excedente das suas contas externas, financiando o crescimento sem recurso ao endividamento externo. Tem também algum espaço orçamental para remover progressivamente medidas ditas de austeridade, que restringem o rendimento disponível das famílias. O grande desafio aqui é conseguir um ritmo de recuperação desse rendimento, tanto na vertente orçamental como fiscal, que seja compatível com o caminho de redução do seu défice público e sem deteriorar o equilíbrio externo. Ou seja, saber como aumentar o ritmo do crescimento da economia e do emprego, bem como a recuperação do rendimento sem suscitar dúvidas sobre a sustentabilidade da dívida pública, e sem gerar novos desequilíbrios, tanto no plano das contas externas como no plano orçamental.

A resposta parece óbvia: conhecidas as restrições quanto ao nível de endividamento público e privado, o único caminho sustentável para o crescimento é a atração de investimento direto externo, já que a fraca poupança interna dificilmente permitirá um financiamento alternativo adequado. De certo modo, é o que se vem observando no caso irlandês. A elevada taxa de crescimento (quase 7% em 2015) não vem tanto da procura interna alimentada pelo consumo ou pelo investimento endógeno, mas vem sobretudo do elevado grau de abertura da economia irlandesa e da forte capacidade para atrair e fixar investimento estrangeiro. Também para Portugal, e independentemente da melhoria do mercado interno que se deseja, o caminho deverá ser o do reforço das exportações, impulsionado pelas medidas de melhoria da competitividade económica, e o da capacidade para atrair e fixar investimento estrangeiro. A ideia é simples: se o Estado e os privados nacionais têm pouca margem para gastar e investir, porque têm dívidas elevadas para pagar e porque o nosso mercado interno é limitado, então, o crescimento mais forte terá de vir de fora.

Por outro lado, o contexto europeu e global em que nos inserimos recomenda prudência nas políticas. A política monetária do BCE não se irá manter indefinidamente. E no dia em que for revertida, como acontece agora nos EUA, os que têm défices e dívidas maiores ficam sob stress financeiro e deixarão de beneficiar de um euro mais competitivo para impulsionar as suas exportações para fora da zona euro. Recentemente, o Banco de Portugal alertou para estes efeitos negativos, prevendo que ocasionariam que as taxas a 10 anos pudessem passar para um valor entre 4% e 5%. Também o preço do petróleo não vai ser sempre favorável e a sua reversão ocasionará maiores custos, que reduzem as possibilidades de consumo e de investimento. Em conjunto, este contexto aconselha a não relaxar muito a estratégia económica e financeira, porque um maior alívio hoje pode reduzir a nossa margem de autonomia no futuro e mesmo custar mais apertos e dificuldades amanhã.

Ora, uma vez que já estamos a crescer e a criar emprego, parece que a prudência é uma boa escolha.

Mas estes objetivos de prudência orçamental e de atração de investimento externo, para serem alcançados, pressupõem a confiança dos investidores como condição essencial. Porém, as primeiras indicações que têm sido dadas são negativas.

Desde logo, a estratégia orçamental. Anuncia o Governo que pretende continuar a reduzir o défice e a trajetória da dívida pública. Porém, as medidas até agora anunciadas contradizem esta afirmação. O Governo não se limitou a introduzir alguma flexibilização na trajetória apresentada em abril deste ano no Programa de Estabilidade, relaxando um pouco as metas para a despesa ou para a receita fiscal que ali estavam previstas. Se assim fosse, o que estaria em causa era uma redução menos acentuada do défice e, portanto, também da redução da dívida, mas, em todo o caso, uma redução - por contrapartida de um objetivo mais ambicioso para o emprego. Mas o que realmente aconteceu até agora foi um acréscimo de despesa e uma diminuição de receita, não face ao que estava previsto para 2016, mas face ao que tivemos em 2015. Isto significa que, na ausência de novas medidas que compensem o quase 1% do PIB em mais despesa e menos receita, teremos em 2016 mais défice do que este ano, e não o contrário como prometido.

Veja-se que a Comissão Europeia (CE), o Banco Central Europeu (BCE) e o Conselho de Finanças Públicas (CFP) já chamaram a atenção para o choque que esta estratégia representará para Portugal: a CE lembrou que o país tem de continuar estes esforços de consolidação; o BCE disse mesmo que Portugal não tinha, nas atuais condições, qualquer espaço para usar a política orçamental para estimular o crescimento da economia; o CFP avisou que, na ausência de medidas com um certo grau de austeridade, a economia poderia até crescer no próximo ano, mas regressaríamos aos défices excessivos e ao risco de desequilíbrio externo.

Políticas de reversão de privatizações e de concessões, com ameaças de novas nacionalizações – como aconteceu no caso da TAP com a declaração do PM de que o Estado voltaria a ter a maioria do capital da empresa mesmo que não houvesse acordo com os investidores –, associadas a políticas de reversão de reformas estruturais, como no caso da legislação laboral, tornando mais rígido o mercado para satisfazer grupos de interesse sindical mais radicais, semeiam a desconfiança e afastam os investidores, pondo em causa o crescimento e a autonomia estratégica da política nacional.

Não surpreende, assim, que duas das maiores empresas de notação financeira – a Fitch e a S&P- tivessem já vindo ameaçar que baixariam o ‘rating’ da dívida portuguesa se houvesse mais reformas estruturais a serem revertidas e se a política orçamental se vier a afastar muito do quadro de consolidação antes traçado.

2016 pode, assim, ser um ano razoavelmente bom ou o início de uma série de anos bastante maus. Em face da realidade e não de qualquer outra fantasia, cabe a quem governa escolher o caminho. O futuro de todos nós dependerá disso.
Título e Texto: Pedro Passos Coelho, Diário Económico, 30-12-2015

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