Há realidades novas no país que não
estão sendo percebidas pelas esquerdas e pela imprensa. Acordem, Carolinas! O
mundo passa na janela, e só os partidários de Chico Buarque não veem
Reinaldo Azevedo
Setores da imprensa tentam
esmagar aquilo que não entendem. Fazem pouco caso do que está fora da caixinha
confortável dos seus preconceitos. E o Movimento Brasil Livre é o alvo
principal desse rancor.
Entendo o desconforto. Não é
todo dia que se lida com jovens com uma bibliografia razoavelmente maior do que
a da maioria dos jornalistas que, em tese ao menos, deveriam explicá-los ao
leitor. Aí, sabem como é… Em vez de entender o que se passa na realidade,
tarefa de um jornalista, melhor chamar a fonte de “otária”.
Kim Kataguiri, 19 anos, a face
mais visível do MBL, irrita muita gente, já percebi — sobretudo porque mobiliza
um número infinitamente maior de admiradores. É inteligente, carismático e sabe
ser engraçado. Renan Santos, 31, um jovem notavelmente articulado e informado,
provoca a fúria dos imbecis. E, mais do que os dois, há outro líder do MBL que
leva os pançudos de esquerda a ter borborigmos estertorosos. Falo de Fernando
Silva Bispo, conhecido por Fernando Holiday. Ele tem 18 ou 19 anos.
O rapaz é dono de uma retórica
poderosa. Já o tinha visto na Internet. Eu o conheci pessoalmente no dia 29 de
novembro. Participei de um papo sobre liberdade de imprensa no Primeiro
Congresso do MBL, que reuniu umas 400 pessoas do Brasil inteiro.
Um jornalista chegou a ligar
para Renan para fazer uma “reportagem”. Primeira pergunta: qual era a
percentagem de negros do encontro? Segunda pergunta: “Vocês estão ganhando
dinheiro vendendo Pixulecos?”. Nota: naquele dia, o MBL há havia feito oficinas
e discutido em vários grupos de trabalho, entre outras miudezas, configuração do
estado brasileiro, programas sociais e distribuição de renda, reparação social
e cooptação política…
Renan mandou o repórter ir
pastar e disse que tinha mais o que fazer. Adiante.
Fernando Holiday é negro, gay
e pobre. Mora na periferia. A mãe é auxiliar de enfermagem, e o pai é garçom. O
garoto fala com uma fluência e com uma clareza como raramente vi. Fez naquele
dia 29 uma síntese dos trabalhos do Congresso impressionante. Ele pensa bem.
Ele fala bem. Ele é senhor de si.
Abaixo, há um vídeo de um
pequeno discurso que ele fez no Congresso Nacional. Vale a pena assistir. Volto
em seguida.
Destaco um trecho de sua fala:
“A esquerda que governou este
país só sabe reclamar, só sabe se vitimizar. Mas eu quero dizer que eu, como
negro, como pobre, como homossexual, não me vitimizo. Eu venho aqui, eu vou a
qualquer lugar, porque eu quero lutar, eu quero alcançar o meu sucesso, não me
rastejar atrás do estado.”
Pois é… Como conviver com
isso, não é mesmo?
Não! O fato de Fernando ser
negro não o torna nem mais nem menos habilitado intelectualmente para falar de
cotas. O fato de ser gay não o torna nem mais nem menos habilitado
intelectualmente para falar de diversidade sexual. O fato de ser pobre não o
torna nem mais nem menos habilitado intelectualmente para falar das políticas
de distribuição de renda.
Fernando fala sobre cada uma
dessas coisas como indivíduo que está no mundo, debatendo políticas públicas, e
não aceita que o condenem a um nicho da militância. Afinal, os jornalistas
branquinhos da esquerda chique aprenderam que gente como ele tem é de estar em
movimento social do PT. Que ousadia um negro pobre e gay ser aquilo que eles
próprios não são: um liberal!!!
O rapaz dá um nó na cabeça da
turma. Afinal, eles são esquerdistas pensando justamente em pessoas como
Fernando. É um horror que um negro gay e pobre não deixe os branquinhos de boa
consciência esmagá-lo com a sua mão piedosa! É um absurdo que um negro gay e
pobre não vá procurar a proteção de Guilherme Boulos, o branco bem-nascido de
esquerda, que vai render os seus ditos sem-teto aos pés de Dilma na
quarta-feira.
Caramba! Essa gente toda
gostaria de ensinar Fernando a ser um bom negro, um bom gay e um bom pobre.
Há algo de profundamente novo
e auspicioso no país quando Fernando Holiday fala. E há algo de profundamente
errado com a imprensa quando não percebe isso.
Eu me despedi de Fernando
naquele domingo assim: “Eu quero votar em você para vereador, pouco importa o
partido em que você esteja”. Nem sei se ele tem um. Nem sei se vai se candidatar.
Mas eu gostaria muito de votar nele.
Acordem, Carolinas! O mundo
está passando na janela, e só os partidários de Chico Buarque não veem.
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