João Miguel Tavares
Um bom amigo informou-me que
Estrela Serrano me tinha dedicado meia-dúzia de parágrafos no Vai e Vem, blogue
que partilha com o actual ministro da Defesa Azeredo Lopes. O texto em causa
intitula-se “Alguém falou em ética do comentário?” e critica-me por há uma
semana eu ter usado o espaço desta página “para atacar um jornalista – Paulo
Pena – e dois colunistas – Pacheco Pereira e Rui Tavares – todos da casa”.
Após declarar que os leitores
do PÚBLICO têm “a expectativa de que o seu jornal não seja usado para que os
colaboradores se ataquem uns aos outros e aos jornalistas da casa”, Estrela
Serrano remete para um texto antigo intitulado “Uma ética para o comentário
político, precisa-se!”, onde desenvolve a sua tese: “Não sendo confrontados e
responsabilizados pelos seus escritos e falas, os comentadores gozam de uma
impunidade inaceitável em democracia. E, no entanto, criam percepções,
influenciam interpretações e (de)formam visões da realidade. A avaliar pelas
aleivosidades [NR: Estrela Serrano queria dizer “aleivosias”] que se lêem e
ouvem em jornais, rádios e televisões em espaços de comentário político, fica a
convicção de que se trata de um poder sem responsabilidade.”
Há duas formas de olhar para
isto. Uma, é desvalorizar, considerando que a opinião de Estrela Serrano está
hoje confinada a um blogue e às páginas da Acção Socialista Digital. Não vou
cometer tal indelicadeza. Prefiro antes valorizar as suas palavras, relembrando
que Serrano foi membro da ERC durante o consulado socrático, e que essa mesma
ERC era então dirigida pelo seu parceiro de blogue, hoje patrão do parque
nacional de chaimites. Mais do que isso: esta visão da liberdade respeitosa não
é uma idiossincrasia de Estrela Serrano – ela é partilhada por gente que a
tentou impor entre 2005 e 2011, e que é bem possível que esteja cheia de
vontade de a voltar a impor a partir de 2016.
Assinale-se que o blogue Vai e
Vem tem como epígrafe “Não renunciarás à tua liberdade de expressão e de
opinião”. Parece uma admirável ironia, mas ela não é inédita. A Constituição de
1933 também considerava, como direito de cada cidadão português, “a liberdade
de expressão do pensamento sob qualquer forma” (artigo 8º). Só que depois
(artigo 20º) alertava que incumbia ao Estado defender a opinião pública “de
todos os factores que a desorientem contra a verdade, a justiça, a moral e o
bem comum”. Ou seja, todos podiam exprimir-se à vontade, desde que não
desorientassem os outros.
Ora, a grande preocupação de
Estrela Serrano também são os “cidadãos mais desprevenidos”, que acabam por
confundir “opiniões” com “factos reais”. Claro está que não deseja calar
ninguém. Serrano quer apenas “regular” e “responsabilizar”. Se cada um de nós
observa e estuda os assuntos à luz do seu interesse, “só uma entidade”,
considerava o professor António de Oliveira Salazar, “tudo tem de ver à luz do
interesse de todos”. Uma entidade reguladora da boa comunicação, por assim
dizer.
Eu não devia ter de escrever
isto 500 meses após o 25 de Abril. Mas quando alguém com as responsabilidades
de Estrela Serrano classifica críticas públicas como “ataques”, considera que
colunistas de um jornal não devem polemizar entre si, entende o exercício da
livre opinião como uma “(de)formação” da realidade e crê ser competência do
Estado proteger “cidadãos desprevenidos”, é preciso voltar ao bê-á-bá da
liberdade de expressão, para a defender dos que só gostam dela bem composta e
penteada.
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