Alexandre Homem Cristo
Alguns dos principais
compromissos de Le Pen soam-nos familiares porque são, também, o coração das
propostas económicas do PCP, suporte do atual governo. Não devíamos ficar
igualmente preocupados?
Com a crise do Euro, com a
crise dos refugiados e com a ameaça do terrorismo, 2015 foi um ano bom para os
inimigos do projecto europeu, que anseiam por uma Europa menos aberta, menos
liberal e menos interligada. Vão conseguir? É sob esta questão fundamental que
deve ser lida a vitória eleitoral do Front National (FN), na primeira volta das
regionais francesas. Quando faltam 16 meses para as presidenciais, os
resultados mostram o fracasso de Hollande, confirmam a ascensão de Marine Le
Pen e certificam a transformação do sistema partidário francês, com o FN
instalado entre Os Republicanos (ex-UMP) e o PS. O interessante é que, da
perspectiva europeia, tudo isto traduz um apoio popular cada vez mais
consolidado a quem ergue como bandeira política o combate à integração
europeia. Ou seja, mais do que Hollande, o grande derrotado da última noite
eleitoral francesa foi o projecto europeu e não é por acaso que a Europa acorda
hoje sobressaltada.
A ironia do sobressalto em
Portugal é que tudo isto só inquieta quando acontece em França, esquecendo-se
os bons motivos para a apreensão dentro de portas. É que, no fundamental da
política económica e europeia, não se registam diferenças de relevo entre o FN
de Marine Le Pen e o PCP de Jerónimo, cujo comité central tem agora poder de
veto sobre o rumo político do governo. Aumentar os salários e as pensões,
diminuir a idade da reforma, sair do Euro, proteger os pequenos comerciantes
contra os grandes grupos económicos, quebrar o monopólio dos bancos, libertar a
economia da influência dos mercados financeiros, renegociar os tratados
europeus e internacionais. Estes são alguns dos principais compromissos de
Marine Le Pen, elencados no seu manifesto político. E se nos soam familiares é porque são, também, o
coração das propostas económicas do PCP, que despreza a economia de mercado e
as instituições europeias, e que é hoje o suporte parlamentar de António Costa.
Assim sendo, não devíamos ficar igualmente preocupados?
Dizem-nos que não. Porque
Mário Centeno não é um Varoufakis em potência – o que é verdade. E porque o
governo é do PS, sem que PCP e BE interfiram nas opções de política europeia –
o que custa a acreditar. Ora, custa a acreditar uma vez que o primeiro sinal
deste governo PS, em termos de política europeia, foi o enterrar do seu
discurso eleitoral. Recorde-se que, quando se candidatou à liderança do PS, a
política europeia foi designada a grande prioridade de António Costa – estava
aí a chave para uma alternativa à austeridade. Mas, há dias, esteve arredada do
debate do Programa de Governo – afinal, já não é prioritária? No mesmo sentido,
um dos compromissos assumidos pelo PS foi o de elevar o estatuto do titular da
pasta dos assuntos europeus (acima do de secretário de estado).
Surpreendentemente, não aconteceu – afinal, já não faz diferença? À falta de
melhor explicação, deduz-se que Costa quis evitar o desconforto de PCP/BE, por
via da necessidade de aprovação parlamentar do seu governo.
Dirão os cínicos que fez bem e
que uma certa ambiguidade quanto à política europeia é o preço a pagar para
garantir esse apoio. Só que é impossível não assinalar os riscos dessa estratégia
num contexto em que, em 2016, a UE terá de enfrentar as suas fraquezas
(refugiados, euro, terrorismo), um referendo à permanência do Reino Unido e um
duro debate sobre a sua sustentabilidade – como alerta o João Marques de Almeida, se “a maioria dos alemães chegar à
conclusão que o preço a pagar pela integração europeia é insustentável e
inaceitável, a União Europeia está condenada”.
Portanto, a questão é só uma:
nestas circunstâncias particularmente exigentes, pode ou não um governo
português dependente do apoio do PCP, que anseia pelo colapso do projecto
europeu, assumir um compromisso inequívoco para com as políticas e as
instituições europeias? Se não se puder responder que sim, sem qualquer
hesitação, então haverá razões para nos inquietarmos tanto quanto nos
inquietamos com as vitórias eleitorais de Le Pen.
Título e Texto: Alexandre Homem Cristo, Observador,
7-12-2015
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