O princípio de que o ônus da prova
cabe a quem acusa vem do direito romano — este, sim, um conjunto fechado de
fundamentos — e se expressa na frase: “Semper
onus probandi ei incumbit qui dicit”. Cabe, pois, a obrigação de apresentar
a prova àquele que acusa, àquele que diz
Reinaldo Azevedo
Ai, ai… Como professora de
direito, a presidente Dilma Rousseff só perde mesmo é para a antropóloga da
civilização da mandioca. Nesta quarta, em Quito, no Equador, indagada sobre as
suspeitas que se aproximam do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ela decidiu
apelar a seus dotes de pensadora. E lascou a seguinte coleção de pérolas.
“Quem prova, acho que foi a
partir da Revolução Francesa, se não me engano foi com Napoleão, quem prova a
culpabilidade, ao contrário do mundo medieval, o ônus da prova é de quem acusa,
daí, por isso, o inquérito, toda a investigação. Antes você provava assim: eu
dizia que você era culpado e você lutava comigo. Se você perdesse, você era
culpado. Houve um grande avanço no mundo civilizado a partir de todas as lutas
democráticas”.
Ela soltou isso tudo de
supetão, nessa língua muito parecida com o português, numa entrevista concedida
logo depois de deixar a Cúpula da Comunidade de Estados Latino-Americanos e
Caribenhos (Celac).
Em seguida, a mulher se
irritou, o que sempre é um perigo:
“Se levantam acusações,
insinuações e não me diz como, por quê, quando, onde e a troco do quê… Se
alguém falasse a respeito de qualquer um de nós aqui, que a nova fase da
Lava-Jato levanta suspeita sobre você, e você não soubesse do que é a suspeita,
qual é a suspeita e de onde é a suspeita, você não acharia extremamente
incorreto do ponto de vista do respeito?”.
Se alguém tivesse entendido
que diabos ela quis dizer, pode até ser que sim…
Vamos botar um pouco de ordem
na bagunça. Napoleão chegou ao poder na França em 1799 — na esteira, sim, da
Revolução de 1789, mas sua ascensão já marca o fim do processo revolucionário.
Em 1804, faz-se imperador e governa até 1815.
Inexiste um troço chamado
“direito medieval” como um conjunto de normas, entre outros motivos, em razão
da natureza descentralizada da forma de governo da época. Existiram, sim,
códigos que são medievais porque relativos à Idade Média.
O Código Napoleônico trata
basicamente de questões civis, não das criminais, que podem atingir Lula. Tal
código estende-se sobre a chamada “responsabilidade subjetiva”, distinguindo-a
da objetiva. Ou por outra: estabelece critérios da definir a culpa.
O princípio de que o ônus da
prova cabe a quem acusa vem do direito romano — este, sim, um conjunto fechado
de fundamentos – e se expressa na frase: “Semper onus probandi ei incumbit qui
dicit”. Cabe, pois, a obrigação de apresentar a prova àquele que acusa, àquele
que diz.
E é o que vigora no nosso
direito. A obrigação de apresentar os fatos constitutivos da ação penal, as
provas que a justificam, cabe a quem acusa.
Dilma se atrapalhou um
pouquinho com a história. Como de hábito.
Título e Texto: Reinaldo Azevedo,VEJA,
28-1-2016
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