Manuel Villaverde Cabral
A aparente
concordância entre o PS e o PSOE é mero fruto do confusionismo dos dois partidos,
ambos relegados para claro segundo lugar nas legislativas dos respectivos
países.
Será então a actual situação
política em Espanha, consecutiva às eleições legislativas de 20 de Dezembro
passado, bem como às sucessivas eleições autonómicas recentes, semelhante à
portuguesa, como o próprio líder do partido socialista espanhol (PSOE) insinuou
quando veio a Lisboa há dias conversar com o seu homólogo português? Não creio.
A aparente concordância entre o PS e o PSOE é mero fruto do confusionismo dos
dois partidos, ambos relegados para claro segundo lugar nas legislativas dos
respectivos países. E a razão não reside apenas, conforme é dito por vezes, na
diferente natureza do sistema partidário de cada um dos países.
Em Portugal, o acesso do PS ao
poder com a promessa de apoio parlamentar dos partidos de protesto à sua
«esquerda», deve-se exclusivamente ao aproveitamento oportunista do dispositivo
constitucional português, segundo o qual o parlamento eleito em Setembro
passado não pode ser dissolvido durante os seus primeiros seis meses. De outro
modo, o Presidente da República cessante teria convocado novas eleições
legislativas e o PS seria, seguramente, sancionado por uma boa parte do seu
eleitorado e por muitos abstencionistas de Setembro. Em consequência, a «frente
popular» ter-se-ia tornado impossível, confirmando a coligação PSD+CDS como
vencedora das eleições.
O contexto político desse
oportunismo constitucional não passa de uma ideia falsamente ingénua de
reversão da austeridade aplicada pelo anterior governo. Aliás, aplicação
conforme ao acordo com o memorando de ajustamento assinado pelo PS com os
credores internacionais das dívidas criadas por esse mesmo PS. O contexto
parlamentar tem pois importância mas está a ser posto à prova todos os dias e não
se sabe quanto tempo durará este governo das reversões.
Já em Espanha, o grau de
ajustamento não se comparou ao português; em contrapartida, a erosão do
bipartidarismo (PP+PSOE) foi muito mais forte do que em Portugal, vendo-se
reduzido a 50% dos votos comparado com 70% entre nós. Acresce que, tanto em
Espanha como em Portugal, foram os partidos que geriram o ajustamento os mais
votados. Daqui não se tiram portanto paralelismos nem diferenças decisivas.
Ora, na minha opinião, são outras as diferenças que contam e todas elas remetem
para a história política remota e recente de Espanha, história essa que
Portugal não partilha. São quatro os factores principais que definem o actual
contexto político-partidário espanhol.
O primeiro é o impacto
diferido da guerra civil de 1936-39, que não existiu em Portugal nem na Itália,
mas sim em Espanha e na Grécia, deixando uma marca muito mais duradoura do que
se poderia imaginar nos conflitos actuais: basta pensar nas alusões à dívida de
guerra alemã na Grécia e, em Espanha, nas campanhas constantes em torno da
memória da guerra civil, agora assumida pelo «Podemos», que foi logo falar em
mudar os nomes das ruas de Madrid… Quem tem meia-costela espanhola, sabe que
isso é hoje em dia uma falsa questão e – pior – manter uma ferida aberta a
sangrar. Há, pois, uma marca histórica que continua a servir de fermento às
pretensas identidades de «esquerda» e de «direita» que alimentam tanto os
pequenos como os grandes partidos em Espanha.
Por sua vez, esse fundo
adversarial foi, por assim dizer, cruzado ao longo do regime democrático por
uma cultura partidária de corrupção que não é, provavelmente, maior do que em
Portugal, mas tem sido muito mais denunciada e por vezes levada até às suas consequências
penais contra os dois principais partidos. Ora, são estes mesmos partidos, PP e
PSOE, que agora teriam de se unir para formar um governo com maioria
parlamentar. Devido, porém, ao peso do cisma histórico e da corrupção recente,
preferem aparentemente o caos político do que ceder às vantagens de um «bloco
central». Por seu turno, novas formações partidárias como «Ciudadanos» e
«Podemos» só cresceram da forma que se tem visto por causa da corrupção que
mina o sistema bipartidário. Em Portugal, essa repulsa tem levado sobretudo os
eleitores para a abstenção, segundo a qual… «os partidos são todos iguais»!
Em terceiro lugar, factor
inexistente entre nós mas, também ele, cumulativo da guerra civil, o espaço
político espanhol está hoje atravessado de novo pela questão das autonomias e,
no caso concreto da Catalunha, por uma forte aspiração independentista que os
portugueses deveriam ser, aliás, os primeiros a perceber e que acaba de dar
neste preciso momento mais um passo com a formação de um governo autonómico
independentista. A esses três eixos acresce um conflito inter-geracional
profundo, próprio das sociedades muito envelhecidas, como é também o caso
português (o BE é uma manifestação disso), de tal maneira que este feixe de
efeitos cruzados não só pôs em causa o bipartidarismo, como se arrisca a
impedir qualquer coligação, seja esta de «direita» ou de «esquerda».
Nem o
oportunismo catalanista do «Podemos» o deixa fazer aliança com o PSOE
soberanista, nem a repulsa pela corrupção deixa os «Ciudadanos» aliar-se ao PP.
Assim, o eleitorado espanhol ver-se-á provavelmente forçado a novas eleições e
a deixar de se abster, a fim de escolher o «mal menor», como acontece em geral
nas eleições.
(Declaração de interesses: não tenho dupla nacionalidade mas sou
meio-espanhol com afinidades familiares à Catalunha e ao País Basco.)
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