Luís Naves
1 - A vitória de Marcelo Rebelo de Sousa nas eleições presidenciais
de ontem repõe o equilíbrio num sistema político que se afastou das
preocupações dos cidadãos. Se Marcelo fosse eleito pela Assembleia da
República, teria já sido derrotado por Sampaio da Nóvoa ou iria perder na
segunda volta; se fosse eleito pela comunicação social, teria sofrido uma
copiosa derrota; se fosse eleito nas redes sociais, ficava em terceiro lugar,
atrás de Nóvoa e de Marisa Matias. Há um crescente fosso entre o país real e o
país publicado.
A eleição de Marcelo é a
terceira derrota consecutiva do primeiro-ministro António Costa, cuja estratégia
é evidentemente a errada, dispondo de um apoio popular que pouco ultrapassa um
terço do eleitorado (basta olhar para os números de ontem). É possível
argumentar que, pela segunda vez consecutiva, o povo português votou a favor da
estabilidade, do equilíbrio e do entendimento entre os partidos que
tradicionalmente ocupam o centro; ou seja, votou a favor de um hipotético Bloco
Central, que é a solução política evidente para a actual situação do país.
2 - A estratégia do PS já falhou, a do Partido Comunista parece
suicidária. Tal como aconteceu na Grécia ou em Espanha, o eleitorado comunista
tende a aderir a uma alternativa mais urbana, no nosso caso ao Bloco de
Esquerda, que tem um novo estilo, que explora novos temas e é socialmente um
partido menos conservador do que o PCP. Os velhinhos da reforma agrária estão a
desaparecer, como estão a desaparecer os operários, surgindo uma geração com
problemas diferentes, que não são propriamente os da miséria, mas os da pobreza
relativa.
Esta mudança subtil criou em
Espanha o fenómeno do Podemos, que engoliu os votos comunistas e agora ameaça
os próprios socialistas. O Bloco teve dois bons resultados consecutivos, mas
mesmo assim não passa muito dos 10%, valor com a sua fragilidade. Falta imenso
para chegar ao patamar do Podemos. O eleitorado radical em Espanha atinge quase
um terço do total, incluindo secessionistas: aqui, é de um sexto.
Muitos comentadores diziam que
em Portugal o centro desapareceu. Marcelo provou que não tinham razão. O país
não se divide entre direita e esquerda, como sugeria a crispação dos últimos
meses; o país real continua a dividir-se politicamente entre um terço na
direita, um pouco mais de um terço à esquerda e quase um terço ao centro. O
eleitorado é prudente e gosta da serenidade. Ganhou assim o candidato que
melhor entendeu o país.
Título e Texto: Luís Naves, Fragmentário,
25-1-2016
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