Jacinto Flecha
Se alguém me oferece ou
pede um cigarro, respondo como sempre respondi:
– Eu não fumo.
Antigamente eu o fazia um tanto
constrangido, quando o bonito era desafiar a proibição paterna ou dos
educadores, e se exibir soltando artisticamente a fumacinha, com a elegância
enfatuada dos ídolos do cinema. O exibicionismo ensaiado deles, regiamente
remunerado por fabricantes de cigarros, provocava exclamações admirativas de
senhoritas e senhoritos. Por imitação, estes e estas bancavam atores, com a
ilusão de colecionar admiradores. Só mais tarde se divulgou que o câncer de
pulmão, provocado pelo cigarro, estava ceifando a vida de muitas “celebridades”
de Hollywood, sem perdoar também muitos dos seus admiradores.
Enquanto isso eu mantinha a
irredutível decisão de não fumar. Ela remonta aos meus oito anos, quando uma
noite meu primo prafrentex, com quase o dobro da minha idade, ofereceu-me um
cigarro já aceso, instruindo-me a dar uma tragada. Dessa tentativa frustrada só
me resta a lembrança de uma horrível tosse, seguindo-se a dificuldade em
conciliar o sono. Daí em diante, sempre vi o ato de fumar como uma insensatez.
Aquela tosse bastou para manter longe de mim o cigarro.
Muitas coisas mudaram desde
então. A ciência associou o fumo ao câncer das vias respiratórias, e uma
campanha midiática tornou respeitável, até obrigatória, a atitude do não
fumante. Passou a render votos qualquer medida destinada a reduzir o consumo de
cigarros. Ficou bonito não fumar, e até proibir o fumo dos outros.
Se as minhas flechas visassem
sempre proibir alguma coisa, eu poderia captar elogios usando-as para proibir a
proibição. Por exemplo, apontaria algumas para quem obrigou os fabricantes a
imprimir nos maços de cigarro aquelas figuras de mau gosto; levantaria o
problema de desemprego dos cultivadores de tabaco; lamentaria a redução do
lucro dos revendedores; criaria um saudosismo para exigir a volta de atores e
atrizes tabagistas; exaltaria a importância dos altíssimos impostos sobre
cigarros e bebidas alcoólicas para custear atividades indispensáveis;
ressaltaria que essa caça às bruxas é uma imperdoável
restrição à sacrossanta liberdade.
Não vou fazer nada disso. Mas
naturalmente a sua expectativa é que eu faça algo, então vamos ao que
interessa.
Você certamente sabe que quase
todos os ídolos de rock e congêneres (este quase é apenas
prudencial) são vorazes consumidores de drogas. Não o escondem, e o fato de se
drogarem é um incentivo para seus admiradores embarcarem nessa canoa mortal. Da
mesma forma que atores fumantes morreram de câncer pulmonar, as celebridades de
hoje morrem ou se inutilizam prematuramente consumindo drogas.
Imagino que as autoridades
sabem disso, embora seja comum elas cumprirem a ordem de não ver o que todos
veem. Você pode lançar-me em face que as autoridades desenvolvem uma ação
impiedosa e contínua contra a produção e tráfico de drogas. Vamos examinar
juntos este assunto e pensar sobre ele?
Comecemos com um exemplo de
área semelhante. É sabido que nos Estados Unidos o consumo de bebidas
alcoólicas durante a lei seca foi maior que na ausência dela.
Deve ter entrado aí a atração pelo que é proibido, mas o fato certo e constante
é que, quanto mais rigorosa a proibição, mais compensadores se tornam a
produção clandestina e o tráfico. Resultado inevitável da lei da oferta e
procura.
Substitua bebidas alcoólicas
por drogas, e entenderá que produção e comércio de drogas se beneficiam da
clandestinidade. Dificultando a oferta de um produto, seu preço aumenta e ele
se torna mais lucrativo. Igualzinho às bebidas alcoólicas.
Li recentemente que o tráfico
de drogas “fatura” anualmente mais do que o conjunto dos laboratórios
farmacêuticos de todo o mundo. Não lhe parece que uns quatrocentos bilhões de
dólares são um poderoso atrativo? E não lhe parece que sobra dinheiro para
comprar quem se vende?
O consumo de drogas pelas
“celebridades” atuais é um forte incentivo para seus admiradores se viciarem,
daí eu levantar uma pergunta incômoda: adianta reprimir a produção e tráfico,
se permanece livre a propaganda feita pelos viciados famosos? Coloque de um
lado o incentivo ao consumo, por meio de fatores tão possantes como esse; de
outro lado, coloque a redução da oferta, pela perseguição aos produtores e
traficantes. Reduzir a oferta, e ao mesmo tempo aumentar o consumo, eis um
esquema sincronizado, um binário de forças girando de modo altamente favorável
aos que lucram com as drogas. Não lhe parece provável que agentes remunerados
atuem em ambos os lados, obedecendo aos mesmos comandos? Se era remunerada a
propaganda do cigarro feita pelos atores, por que seria diferente com as
drogas?
(Tudo bem. Então você propõe
liberar o comércio de drogas?)
Não, caro leitor, minha
ingenuidade não chega a tanto. Nem proponho revogar a lei da oferta e procura.
Muito melhor é reservar um
espaço privativo para essas “celebridades” (não só as do rock) consumirem
drogas à vontade. Cadeias não faltam, para promover essa atividade saneadora.
Serão convidados permanentes todos os que divulguem, financiem ou insinuem
qualquer tipo de propaganda ou referência elogiosa ao uso de drogas. Farão um
bem enorme uns aninhos de cadeia para transgressores de qualquer tipo ou
tamanho. Só sairão de lá quando renunciarem definitivamente ao uso de drogas –
vivos ou mortos, portanto – e esta última hipótese talvez se concretize antes.
Em caso de reincidência, prisão perpétua. O conceito de cadeia pode
até ser amenizado com um nome politicamente correto, como desintoxicação
compulsória.
E ficaremos livres também
dessa outra “droga”, que é o próprio rock…
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