Só mesmo a tara autoritária
esquerdopata, que tem a ambição de regular o que dizer, o que pensar e a quem
querer, poderia ousar impor a censura dentro dos táxis. São mais de 30 mil na
cidade de São Paulo. Acho que o prefeito pretende que os taxistas não comentem
com os passageiros o seu notável legado.
Reinaldo Azevedo
Está com vontade de discutir
matemática pura, leitor? Filosofia? Engenharia genética? Então o seu lugar é o
táxi. Especialmente depois que o prefeito Fernando Haddad resolveu rasgar a
Constituição e instituir a censura. Já chego lá. Os motoristas de táxi de São
Paulo terão de fazer um curso de oito horas. E o dito-cujo tem uma grade
curricular obrigatória. É preciso passar por ela pra obter o Condutax.
Numa sociedade que caminha,
felizmente, para a descontração — o que não quer dizer, obviamente, dispensar
trajes mais solenes para ocasiões igualmente solenes —, parece que os taxistas
estão condenados a ser a nossa reserva de rigor. Já chego lá. Quero voltar à
Constituição.
O Item VI do curso está assim
redigido:
“Evitar polêmicas ou situações
que provoquem estresse no passageiro em virtude de:
a: paixões esportivas;
b: convicções partidárias;
c: fé e cultos religiosos;
d: opções de comportamento
pessoal;
e: não tratar de problemas
particulares nem da categoria.
Entenderam? Haddad quer
suspender para o motorista de táxi os direitos assegurados pelo Inciso IV do
Artigo 5º da Constituição — “é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado
o anonimato” — e o Parágrafo 2º do Artigo 220: “É vedada toda e qualquer
censura de natureza política, ideológica e artística”.
Quer dizer que acabou de
entrar num táxi e debater política com o motorista? Ficarão eles proibidos de
passar pela buraqueira da cidade e dizer: “Esse prefeito só se preocupa com
bicicleta; olhem como está isso!”. Não mais poderão se orgulhar de seus filhos
(“problemas pessoais”). Se o meu Corinthians vencer o Palmeiras do condutor do
bólido, não posso fazer uma piada — ou, vá lá, ele comigo, na hipótese de
vitória do Verdão?
Motoristas não mais poderão
pendurar um santinho ou um rosário no carro porque, sabem como é?, isso poderia
ofender os cultores de outra fé e os ateus militantes.
Nesta segunda, um motorista de
táxi chamado Jorge me levou da Avenida Paulista até a Editora Abril. Quando
entrei no carro, ele estava ouvindo o programa “Os Pingos nos Is”, que ancoro
na Jovem Pan. Era a reapresentação, que vai ao ar a partir das 20h. Ele também
atestou que o programa é um sucesso, mas disse que já houve passageiros
petistas que pediram para que ele desligasse o rádio, irritados com o que
ouviam. Ok. É do jogo. Negociação.
Há, sim, no tal curso
orientação de bom senso, como evitar cheiros desagradáveis de suor, cigarro e
perfumes muito marcantes. Faz sentido. Mas há tolices autoritárias, como
proibir um motorista de usar “camisas com estampas”…
Mas só mesmo a tara
esquerdopata, que tem a ambição de regular o que dizer, o que pensar e a quem
querer — como numa antiga canção —, poderia ousar impor a censura dentro dos
táxis. São mais de 30 mil na cidade de São Paulo. Acho que o prefeito pretende
que os taxistas não comentem com os passageiros o seu notável legado.
A Prefeitura pode, sim, impor
normas para o exercício de determinadas profissões — até essa ridicularia de
proibir camisa estampada. Mas, obviamente, não tem poder para regular a
conversa entre indivíduos. Aí e a Constituição que não deixa. Uma coisa é impor
um código de conduta e até de vestimenta para determinada profissão. Outra,
muito distinta, é querer cassar garantias constitucionais.
Parece uma coisa menor? Não!
Não é! A Prefeitura que, amiúde, tem condescendido com baderneiros quer meter o
nariz numa conversa entre indivíduos? Ora, Haddad! Vá procurar serviço.
Título e Texto: Reinaldo Azevedo, VEJA,
19-1-2016
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