Helena Matos
Agora que já não sobra ninguém para casar, nem
causas para arrebatar os activistas, a eleição dos presidentes das áreas
metropolitanas é folclore qb para entreter este país que se afunda ainda mais.
Mário Nogueira manda no ministério da Educação
enquanto o ministro propriamente dito recuperou as defuntas sessões de
dinamização cultural do MFA e anda pelas escolas de Portugal a espalhar o tempo
novo.
A Frente Comum “desafia” e “exige” a reposição
das 35 horas semanais de trabalho na função pública. Um privilégio face aos
trabalhadores do privado que implica necessariamente desviar para o pagamento
das horas extraordinárias aos trabalhadores verbas que deviam ser afectas aos
serviços. Como assinala o jornalista José Gomes Ferreira, no próximo ano as
despesas com saúde vão baixar necessariamente pois o Governo, ao mesmo tempo
que manteve o tecto do Orçamento do Serviço Nacional de Saúde de 2016 igual ao
de 2015, aumentou significativamente as despesas com pessoal: “os salários vão ser repostos e as horas extraordinárias vão aumentar por causa da lei das 35 horas de trabalho semanal“. Logo, o
dinheiro vem das outras parcelas. Quais? As dos serviços prestados aos utentes.
(Quantos foruns radiofónicos e manifestações de comissões de utentes teremos
sobre este assunto? Arrisco um número: zero).
Os senhores Humberto Pedrosa e David Neeleman,
a par dos accionistas das empresas que tinham ganho as concessões dos
transportes públicos, devem estar a preparar-se para obter dos contribuintes
portugueses, pelas reversões desses mesmos contratos, contrapartidas que lhes
garantirão o sustento dos seus herdeiros por várias gerações mas que os
jornais, à semelhança do que aconteceu com o acordo celebrado com os
estivadores do porto de Lisboa, anunciarão como acordos de paz sem maiores
detalhes nem parcelas.
Como é que isto vai acabar? Qual é o plano de
António Costa? Até onde vai entregar os ministérios e as empresas públicas às
corporações do sector?…
A resposta a todas essas e outras perguntas
tornou-se-me óbvia quando percebi aquilo que anunciou o ministro-adjunto
Eduardo Cabrita: a eleição directa dos presidentes das áreas metropolitanas em
2017 ou, por outras palavras, uma regionalização de secretaria.
Ou seja, “isto” não vai acabar pois nós vamos
sair deste aparente beco sem saída para onde Costa nos está a empurrar através
de uma corrida louca. Para onde? Para algo que não pedimos, não quisemos e
rejeitámos em referendo: a regionalização.
Dir-me-ão que a eleição dos presidentes das
áreas metropolitanas não é a regionalização. Que o PS não quer voltar a esse
tema que os portugueses rejeitaram expressivamente…. Tudo isso são argumentos
do tempo antigo. Do tempo em que havia acordos ao centro, do tempo em que o PS
estava ao centro.
Esse tempo acabou.
No PSD espera-se que o descalabro das finanças
ponha fim a este ciclo de frente popular e traga a maioria absoluta e a pressão
dos credores sem as quais Passos Coelho pode ganhar eleieções mas não governar;
no CDS e parte do PS aguarda-se a hora em que o desastre de Costa permita que
Portugal avance para alianças e compromissos ao centro…
Mas todas essas esperas não passam de
desencontros como em breve se perceberá. António Costa e a sua gente (boa parte
dela a gente de Sócrates o que não é um detalhe na hora de aferir do seu
patriotismo e bom senso) não se farão encontrados para tais pactos e
negociações.
Agora que já não sobra ninguém para casar, nem
famílias para inventar, nem causas nem causinhas para arrebatar os activistas,
a eleição dos presidentes das áreas metropolitanas é folclore quanto baste para
entreter o país enquanto este se afunda ainda mais. Um folclore que tem a
vantagem acrescida de agradar ao PCP, que em cada nova camada do monstro
administrativo vê um território de expansão; de seduzir o BE que acredita
também poder ser bafejado com alguma parte desse maná de empregos, dinheiros e
poder de facto, e, não menos importante, dividir o PSD, partido que tem na sua
dimensão autárquica bizarrias mais que suficientes para animar vários noticiários
e tornar a vida de quem o dirige num inferno.
Mas não acabam aqui as vantagens instrumentais
da regionalização, por agora de secretaria depois de facto: como não por
coincidência perguntou o diligente Lacão numa acção de campanha de Sampaio da
Nóvoa: “Qual foi a herança política de Marcelo? Um combate sem tréguas à regionalização”.
Pois é o Marcelo de centro-esquerda, o
Marcelo que não quer ser Cavaco mas sim o Soares da reeleição de 1991 apoiado
pelo PS e pelo PSD, o Marcelo da desdramatização arrisca-se a, caso levante
reservas nesta matéria, ver-se rapidamente transformado no ogre ultra-montano
que se opõe à modernização do país.
Na tranquibérnia, que é como quem diz, nesse
misto de choldra e má-fé a táctica é sempre a mesma: opta-se pelo mais
improvável, pelo que ainda está dentro da legalidade mas já suscita inúmeras
questões de legitimidade. Aquilo que se escolhe não tem qualquer interesse para
o povo ou para o país mas assegura a sobrevivência política de quem está no
poder.
Quando terminar o presente frenesi do desfazer
e do repor não teremos tempo sequer para reflectir no que nos aconteceu porque
já estaremos atolados nas mil questões dessa regionalização que não só não
pedimos como rejeitámos mas que vamos ter de “aprofundar” porque já foi feita
na secretaria e o futuro do país, dir-nos-ão, disso depende, sem esquecer que
todos os países “avançados” já regionalizaram…
Não é por acaso que Pablo Iglesias anda há
dias a dizer a quem o quer ouvir: “En España no tenemos socialistas como los
portugueses” e “Ojalá el PSOE fuera tan valiente como los socialistas
portugueses”.
Pablo Iglesias sabe bem que o seu poder advém
da fraqueza dos socialistas a que ele chama valentia. Os números de circo que
Iglesias e os seus agoram montam nas cortes – a quem nem falta o número do
bebé-propaganda da deputada Bescansa – só são possíveis porque o PSOE é hoje
uma pálida imagem do que foi.
Em Lisboa o BE percebeu a mensagem, o PCP
registou e o PS acredita que de tranquibérnia em tranquibérnia conseguirá
manter vivo o embuste de perder e governar ou, melhor dizendo, ocupar São Bento
coisa diversa de governar. O primeiro-ministro é um derrotado mandado por
partidos minoritários que para crescerem precisam de reduzir a uma caricatura o
PS. E assim continuará a ser. Portugal acabará mais dividido e frágil este
processo de tranquibernização em curso.
Quanto ao PS depois de ter sido o partido do
regime acredita agora que para salvar o partido tem de acabar com o regime que
foi seu. Não se salvarão nem um nem outro.
Única certeza: quando tudo isto acabar e
estivermos ainda mais falidos e com a vida do país ainda mais complicada do que
em 2011 estes infaustos protagonistas, sentadinhos em estúdios de televisão,
vão dizer com ar beatífico que há que contrapor a Europa dos territórios
solidários à velha Europa dos Estados.
E, claro, que até lá, sob um qualquer
pretexto, alguém vai imitar a performance da senhora Bescansa e seu
bebé-propaganda. No fim o bebé vai para casa ou para o infantário donde não
devia ter saído, o protagonista adulto ganhou o epíteto de irreverente e
sobretudo entre o folclore das novas causas e das máquinas fotográficas a
disparar ninguém terá coragem de dizer: já chega de palhaçadas!
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