Kim Kataguiri
Guilherme Boulos, o burguês
revolucionário, decidiu dedicar sua coluna do dia 21, nesta Folha, a mim. Senti-me honrado. Afinal, para
lembrar Nelson Rodrigues, de certos tipos, só quero vaias. E o artigo foi uma
bela tentativa de vaia.
O coxinha vermelho disse que
"não é exatamente uma surpresa" a Folha ter me contratado,
pois "a maior parte de seus colunistas é liberal em economia e
politicamente conservadora, assim como sua linha editorial".
Como a gente nota, o propósito
de divertir o leitor não se resume a humoristas como Gregório Duvivier,
Marcelo Freixo
e Vladimir Safatle. Boulos também está no time, com a pequena diferença de que o movimento
que ele lidera pratica crimes, que é coisa um pouco diferente de apenas
justificá-los.
Depois da graciosa piada,
Boulos afirma que "talvez a surpresa de muitos fique por conta [sic]"
do meu "despreparo". É claro que o líder do MTST tem o direito de
escrever asneira. Mas deve fazê-lo em bom português. Eu posso dizer que a
prática de ações de caráter terrorista em São Paulo fica "por conta"
de Boulos. Acerto no fato e na gramática. Ao escrever sobre mim, nosso
amiguinho empregou "por conta" em lugar de "por causa".
Errou na gramática e no fato. Despreparo.
Boulos se diz surpreso porque
eu e o MBL somos "tratados por alguns como representantes do 'novo'".
Pergunto: o que há de novo em invadir a propriedade alheia? O que há de novo em
pagar militantes para que defendam uma causa na qual não acreditam? Parece-me
que a única novidade é que a rebeldia revolucionária hoje é apadrinhada pelo
próprio governo.
O líder do MTST fala de um tal
modelo econômico que "só atende aos interesses privilegiados do 1%".
É famoso o "estudo" que sustenta que 1% da população mundial é mais
rica do que os outros 99%. Mas nosso querido poodle do adesismo esqueceu de
dizer que, segundo a metodologia dessa pesquisa, um mendigo sem dívidas é mais
rico do que 2 bilhões de pessoas somadas. Isso porque a riqueza é calculada
subtraindo-se as dívidas do patrimônio. Como 2 bilhões de pessoas têm dívida,
sua riqueza é negativa. Não é estudo. É lixo.
Seguindo essa lógica, todos
nós já fomos mais ricos do que o Eike Batista quando quebrou. Tomando
cotovelada nos ônibus lotados, estávamos mais ricos do que o Eike comendo
lagosta numa lancha.
Na sua compulsão invencível
por passar vergonha, Boulos escreveu que o "Podemos", partido de
esquerda, surgiu da energia do povo espanhol que "tomou as ruas e praças
contra as políticas liberais de austeridade (...)".
Desculpo-me por acabar com seu
mundo de unicórnios voadores, mas a energia que criou o Podemos é a mesma que o
sustenta, caro Boulos: o dinheiro. Desde 2002, a Venezuela pagou mais de 3 milhões
de euros para uma fundação que tinha entre seus gestores diversos líderes do
partido. Você certamente sabe como isso funciona porque, afinal, comanda o
MTST, também ele cheio de "energia".
Outro trecho de sua coluna me
chamou a atenção. Escreveu ele, tentando atacar o Movimento Brasil Livre:
"Defender os mecanismos sociais que produzem desigualdades, a ideologia
meritocrática e a repressão a quem luta é o que há de mais velho".
Durante mais de um mês,
coordenadores e apoiadores do MBL acamparam em frente ao Congresso Nacional
para pressioná-lo a levar à frente a denúncia contra a presidente Dilma
Rousseff, que pode resultar no seu impeachment.
No dia 27 de outubro, uma
terça-feira, quando protestávamos nas galerias da Câmara, o deputado Sibá Machado
(AC), líder do PT, nos chamou de "vagabundos", disse que iria
"para o pau" com a gente. Na quarta, militantes do MTST, que Boulos
comanda com mão de ferro e cabeça de jerico, nos atacaram a pauladas, pedradas,
socos e chutes. Vários de nós ficaram feridos. Apesar disso, não reagimos,
demos as mãos e ficamos de costas para os criminosos.
De fato, "a repressão a
quem luta é o que há de mais velho" na história. Especialmente, Boulos,
quando os bárbaros que atacam estão falando em nome das ideias que eram vanguarda
no fim do século 19.
Boulos finaliza citando uma
tal "classe média sem projeto nem visão de país". Acho que se referia
a si mesmo. Já vi o MTST espancando pessoas inocentes, invadindo prédios e
queimando pneus. Lembro-me de um debate do grupo, que eu mesmo presenciei, que
é um emblema do "projeto de Boulos": a grande questão era que
deputado iria pagar a marmita dos militantes a soldo.
Não vou convidar Boulos a
deixar de ser autoritário e rançoso porque, aos 19 anos, já aprendi o que ele
ignora aos 34: as coisas têm a sua natureza. E é da natureza de uma milícia
como o MTST e de seu miliciano-chefe linchar fatos e pessoas.
Como eu não quero calar
Boulos, não sou obrigado a engoli-lo. Como ele certamente gostaria de me calar,
vai ter de me engolir.
PS - Boulos, se você não
entendeu aquele negócio do 1% e da dívida, peça o meu telefone aí na Folha
e me ligue. Explico. Nunca é cedo para ensinar alguma coisa nem tarde para
aprender.
PS2 - A ombudsman da Folha,
Vera Guimarães, escreveu no domingo uma ótima coluna
sobre as reações à contratação deste colunista, inclusive a de Boulos. Concordo
com quase tudo. Ela me censura por eu não ter me redimido de uma piada postada
há dois anos, que teria caráter machista. Repito o que disse em entrevista à TV Folha, Vera: "Piada não é uma forma de pensamento, não
é uma ideologia". Salvo engano, não conheço nenhuma piada cem por cento
justa. Aliás, deixemos as injustiças para o mundo do humor. Sejamos nós os
justos.
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