Rui Ramos
O PEC é uma opção deste governo
e desta maioria para manterem o financiamento internacional e a protecção do
BCE. Mas uma opção que não lhes dá jeito assumir, e que por isso tratam como
"ingerência".
O PEC é uma opção deste
governo e desta maioria para manterem o financiamento internacional e a
protecção do BCE. Mas uma opção que não lhes dá jeito assumir, e que por isso
tratam como "ingerência".
Viram os soldados alemães que
ocupam o castelo de São Jorge? Repararam na bandeira francesa hasteada na Torre
de Belém? Eu também não. Por isso, ainda não percebi em que força assenta isso
a que os mais excitados chamam “ditadura europeia” e que, sob essa ou outra
forma mais amena (“ingerência”), faz gemer tanto patriota. Ah, dir-me-ão, hoje
as ocupações e as interferências fazem-se de outra maneira: são os tratados, a
moeda, as regulações. Muito bem. Expliquem-me então que tratado foi o governo
português forçado a assinar; que moeda se viu obrigado a adoptar; e a que regulações
está sujeito sem ter participado no estabelecimento dos órgãos que as
decretaram. Na história europeia de Portugal, se alguém forçou alguma coisa,
foram os governos portugueses. Os franceses não nos queriam na CEE, os alemães
não nos desejavam no Euro, e os finlandeses, se bem me lembro, nunca nos
emprestaram dinheiro com entusiasmo.
Mas, diz-se agora, tudo isso
foi feito pelos políticos, à revelia do povo, que nunca referendou a adesão à
CEE ou à Moeda Única. Bem, o povo também nunca referendou a Constituição da
República. O povo fez outra coisa: elegeu os deputados que votaram a
Constituição, e também os deputados que aprovaram todas as iniciativas
europeias. Argumentarão: mas no passado, a União Europeia era outra coisa,
agora é que se tornou um império injusto. Pois bem: o Reino Unido vai
referendar a sua permanência na UE. Porque é que os resistentes contra a
“ditadura” não propõem um referendo que dê às massas oprimidas a opção de sair?
O PCP, o BE e a ala radical do PS têm aqui uma oportunidade. O governo de
António Costa depende deles. Porque não exigir um referendo europeu como
contrapartida do seu apoio? Dirão: porque não querem “criar crises”. Mas afinal a “ingerência” poupa Portugal a crises?
Como é costume, não haverá
coragem, nem vergonha: não haverá vergonha para deixar de bradar contra a
“ingerência europeia”, nem coragem para pôr o país perante uma alternativa,
porque não desejam responsabilidades: nem as do ajustamento, se permanecermos
na UE, nem as da bancarrota e da desvalorização, se sairmos. O que
continuaremos a ver, portanto, é casos como o do Pacto de Estabilidade e
Crescimento deste ano, que a claque do governo prefere não votar, para poder
fingir, como dizia um deputado do PCP, que é apenas um “instrumento de
ingerência e condicionamento da UE”.
O PEC vincula o Estado, nos
próximos anos, a um esforço semelhante ao da consolidação de 2010-2013. Uma imposição europeia? Não, uma opção
deste governo e desta maioria para manterem o financiamento internacional e a
protecção do BCE. Mas uma opção que, depois de anos de demagogia
“anti-austeritária”, não lhes dá jeito assumir, e que por isso preferem tratar
como “ingerência”.
Os oligarcas nem percebem que
jogo andam a jogar. Julgam talvez que com a farsa da “ditadura europeia” estão,
muito habilmente, a externalizar as culpas. De facto, estão apenas a expor-se
como irrelevantes, ao mesmo tempo que cultivam uma xenofobia que outros, um
dia, mobilizarão mais eficazmente. A oligarquia nacional ainda não percebeu que
o mundo está a mudar. Marine Le Pen em França, Norbert Hofer na Áustria, ou
Frauke Petry na Alemanha: o isolacionismo e o proteccionismo progridem,
estimulados pela reacção contra a imigração do Mediterrâneo e contra os
resgates do sul da Europa. Para Hofer, “a Áustria vem primeiro”. Sim, um dia,
seremos libertados desta “ditadura europeia”. Só que não será por Catarina
Martins ou por Jerónimo de Sousa, mas por um Hofer ou por uma Petry qualquer.
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