Luís Naves
Enquanto avança o processo de
destituição de Dilma Rousseff, o noticiário nacional preocupa-se com a questão
da legitimidade democrática e tenta desvalorizar os adversários da presidente,
repetindo o paupérrimo “não vai ter golpe” ou exibindo reportagens em que os
críticos do poder são apresentados como débeis mentais. Alguns argumentos
apontam a fraqueza do caso contra Dilma, os autores esmiuçam detalhes legais,
dando pouco peso aos indícios de, nestes seus pecadilhos, a presidente ter
violado a Constituição ou ter procurado obstruir a justiça. A democracia
brasileira enfrenta uma crise existencial, mas os deputados que vão votar a
destituição também foram eleitos e as revelações do escândalo de corrupção
deixaram milhões de pessoas justamente indignadas. Os jornalistas portugueses
deviam fazer o exercício de se porem na pele dos brasileiros, tentando entender
por que razão eles não querem esta gente.
Na melhor das hipóteses, Dilma
escapará à destituição, conseguindo um terço dos deputados, mas o país dificilmente
aguentará três anos de alta ansiedade. A economia brasileira está em queda
livre. Em 2015, o produto caiu mais de 3% e, em 2016, continuará a descer, só
não se sabe quanto: as previsões oficiais, sucessivamente revistas em baixa e
ainda talvez optimistas, dão uma contracção de 3,5%; instituições
internacionais falam em mais de 5%. O desemprego está a subir velozmente e as
poucas benesses que os pobres poderão ter recebido na última década continuam a
dissipar-se.
O escândalo de corrupção em
larga escala mostra que o PT tentou criar um regime clientelar, mas por motivos
que deixam qualquer um perplexo, em Portugal continuamos a ouvir histórias da
carochinha, como se Lula fosse estadista e não existisse uma investigação
judicial que, em qualquer país livre, daria origem a uma profunda limpeza. A
imprensa brasileira, hostil ao PT, é ignorada pelos nossos comentadores, como
se fosse a voz de uma ditadura, em vez de ser uma imprensa livre e até
particularmente vibrante. Sim, o congresso estará cheio de corruptos, nenhum
partido escapou aos subornos, o presidencialismo no Brasil é caótico e o método
eleitoral permissível a descarados episódios de caciquismo, mas não se percebe
como é que a democracia pode manter-se durante três anos num lume brando
destes. Mesmo que sobreviva à destituição, Dilma terá de se demitir, e é
preferível que o faça mais cedo do que tarde.
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