Maria João Avillez
Os recentes avisos de Mario Draghi “não
eram para Portugal”, assegurou o primeiro-ministro sem saber do que falava. É
que nalgumas das contas socialistas, dois e dois são sempre cinco
1. Esta coisa da “culpa”
atirada aos quatro ventos é o quê? Uma opção? Um gosto? Um chiste revisteiro?
Um tique? Um desequilíbrio? Uma defesa, certamente, não há melhor defesa que o
ataque, compro a defesa. Mas como porém o coro socialista-radical nunca
desafina no mote, da “culpa”, interrogo-me sobre que genes serão estes ao
serviço da obsessão de acusar o governo anterior, de tudo e de nada, por nada e
por tudo, ao ponto de raiar todas as inverosimilhanças.
Se não fosse revelador era
apenas monocórdico, desligava-se o ouvido mas não: a obsessão com a “culpa” dos
antecessores na sua intencional prática do mal (é isto que a toda a hora apregoam,
normalmente aos gritos) revela algo de temível: estamos a ser salvos! António
Costa, os seus aliados com prazo de validade (como os iogurtes) e o seu modesto
governo estão heroicamente a redimir-nos do “empobrecimento” (quem pagará a
diferença?), da “tirania “de Bruxelas, do “servilismo” face à Alemanha.
Chegaram tarde (acham eles)
para os estragos que disseram encontrar, mas mais vale tarde que nunca, ei-los
hoje gloriosos e gloriosamente resolutos a devolver-nos a felicidade perdida:
começou com os “R” e mais parecia — e era — uma campanha: recusar, reverter,
riscar, renegar em absoluto o que vinha do inferno da coligação para depois
repor ou reconduzir o país para o céu. Com frases grandiloquentes, promessas
irresponsáveis e um logro travestido na benesse de mais meia dúzia de euros ao
fim do mês. Tudo isto, bem entendido, feito, em prol da nossa felicidade.
Do lado do futuro, o Governo
orgulha-se das suas contas que nos irão transformar a vida num mar de rosas.
Tanto que os recentes avisos de Mario Draghi “não eram para Portugal”, como
assegurou o primeiro-ministro sem saber do que falava. Nalgumas das contas
socialistas, dois e dois são sempre cinco (uma espécie de proeza de que têm o
talento e o segredo); outras, estão assentes numa certeza errada: a de que o
aumento do consumo que nunca se verificou, seria, caso ocorresse, a varinha
mágica para o resto, crescimento à cabeça, estamos lembrados desse grande
mandamento ficcional.
O resultado é não haver nenhum
resultado: nenhum bom índice, bom algarismo, boa surpresa, boa solução, boa
resolução. Será por isso que há tão maus modos e más maneiras nesta coligação
tão estimada pelo “media”?
2. Nunca se insultou tanto,
nunca se gritou assim, nunca se desferiram ataques tão soezes. (Também nunca se
riu desta forma, permanecendo um mistério a justificação de tal riso) A
exaltação mal criada está na ordem do dia, o insulto e a grosseria também. Ando
há cinquenta anos nisto (não, felizmente não nasci para a vida no dia 25 de
Abril, o país já era gente antes disso), ando há meio século a “observar” e não
me ocorre época de tão boa colheita para o insulto como hoje. Insulto pessoal,
ad hominem, rasca, falso, acusações sem fundamento mas com verrina. Trata-se de
deixar um estigma no insultado, uma espécie de “censura socialista”, assim o
marginalizando, expulsando, da “cidadania” e remetendo-o para o acanhado reduto
permitido pela esquerda, à direita. Cada vez mais pequeno, cada vez com menos
oxigénio.
Nunca como agora houve esta
sensação concreta, real, precisa, gelada de que o grupo radical no poder pode
ser perigoso: muito mais do que vir a desconjuntar economicamente o país, está
a caminho de subverter valores perenes e minar os pilares da sociedade
democrática que somos, a que nos habituamos e onde achamos “normal” pertencer.
Assim avulso (intencionalmente avulso e de natureza propositadamente diversa)
vejam-se os exemplos do que sucedeu com:
O Colégio Militar, com a
demissão do Chefe do Estado-maior do Exército, logo velozmente aceite por quem
deveria ter feito exactamente o contrário mas temeu consequências e fugiu de
chatices;
A ofensiva contra o ensino
particular – sim, visando também a Igreja, sim – impedindo a livre escolha dos
pais para os seus filhos. Uma livre escolha que nos foi apresentada como um
trunfo do Governo no caso dos hospitais e vetada no caso da escolas e não
querem que achemos que quem manda, pensa, escolhe e decide (e vence) é Mário
Nogueira, a CGTP e o PCP e não aquele pobre titular da pasta, desgarrado da
realidade e servo dos sindicatos?;
A sobranceria, permanente,
audível, visível, uma arrogância de “dono”, no tom incriminatório e por isso
insuportável usado para com o jornalista Rodrigues dos Santos por se ter
atrevido a expor e explicar uma determinada situação, no uso legítimo da sua
profissão;
O avassalador triunfo do
politicamente correcto, tentando igualar cães a pessoas em prol de
estranhíssimos “direitos” ou alterar denominações confrangedoramente inócuas de
tão banais como o “cartão do cidadão” para não sei o quê. Em nome da questão do
“género” guindada a ponto fulcral e vital na organização da sociedade do tempo
novo.
Apre. Mas quem contrariar esta
demencial caminhada, quem ousar sequer estranhá-la, é expeditamente a)
insultado; b) atirado para um buraco infecto; c) acusado de praticar “ismos”
visto pelos radicais como tóxicos – conceitos aliás misturados sem ordem nem
senso e brandidos com uma superficialidade que brada aos céus: ora liberalismo,
ora anti-liberalismo, ora ultra-liberalismo, ora reacionarismo, ora
anti-estatismo, ora cristianismo, ora conservadorismo, ora “igrejismo”. Coisas
assim.
Mas, aviso às navegações, os
fios da rede estão a apertar.
(…)
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