Maria João Marques
Não é só na academia que nos impingiram
as aldrabices do lado certo da história: alguns jornais ditos de referência
parecem panfletos do BE e do PS camuflados e exibem o mesmo (de)amor à verdade.
Uma vez passei um dia muito
agradável a rir-me às gargalhadas na biblioteca principal de Cambridge.
Felizmente era quase Natal, passei o dia no quinto andar duma ala sem ver
vivalma, sentada encostada ao radiador do aquecimento central.
Estava a ler livros e journais
de História da Revolução Cultural Chinesa e dei com ‘produção de conhecimento’
(escrevo isto com os sais junto ao nariz) admirável de reputados académicos. Li
elogios à censura maoista e críticas aos intelectuais que desafiavam os limites
da censura, que afinal deviam acertar primeiro com as autoridades o que
publicavam. Um afirmava que Mao era um visionário (lá isso era, mas não da boa
espécie) e referia a ‘retidão moral’ dos Guardas Vermelhos (os adolescentes que
se dedicaram a torturar e a assassinar professores e inimigos imaginários
depois de Mao os incitar a essa violência).
A gargalhada maior veio com
uma defesa da Revolução Cultural, argumentando que um agente político
experiente e pouco aventureiro como Lin Biao a havia apoiado. Lin Biao, um ano
após a publicação desta zurrapa, morreu num voo em fuga para a União Soviética
depois de se descobrir um início de golpe que o envolvia para assassinar Mao.
Lembrei-me desta produção
científica (ou, em linguagem mais comum, destas aldrabices) de académicos
favoráveis ao maoismo (ou, em linguagem que por cá se usa muito, de gente ‘do
lado certo da história’) ao ler este texto de Nicholas Kristof onde confessa a
intolerância ideológica e religiosa da academia americana. Refere um cristão
negro cuja maior dificuldade na academia não era a cor de pele, mas a religião.
E constata que em muitos departamentos universitários é mais fácil encontrar
marxistas que republicanos.
Mas, rejubilemos, não é só na
academia que temos a sorte de nos impingirem as aldrabices do lado certo da
história. O Facebook, segundo denúncias desta semana, elimina da informação dos
tópicos mais partilhados as notícias com sabor à direita e dos sites conservadores
americanos. (O visado negou.)
Alguns jornais ditos de
referência parecem panfletos do BE e do PS camuflados e exibem o mesmo amor à
verdade. Eu, que tenho por princípio não dar dinheiro a propaganda socialista,
sou tão frequente a comprá-los quanto a enviar fatos de treino de presente a
Maduro ou elásticos para o cabelo a Pablo Iglésias.
E é mais ou menos nesta linha
de absurdos que devemos ler a denúncia de Aguiar-Conraria de uma tremenda
conspiração entre a (inexistente) direita liberal e a Igreja Católica para
tomar conta, se não do universo, pelo menos de Portugal. (Às armas, às armas.
Sim, ironizo.)
Deixemos de lado a
(in)existência de direita liberal – estaremos, na pior alternativa, empatados
com a esquerda, que nunca é nem pode ser liberal. Pela veia estatista e
controleira que a consome, seja na atividade económica, seja na exigência de
comportamentos higienistas e sanitários (ai o sal) e protetores do ambiente (ai
taxemos muito alimentos de zonas distantes que gastaram combustíveis fósseis no
transporte), seja a doutrinar alunos (ai tudo a ler esses grandes vultos
literários que são Alegre e Saramago). E nestes pontos não ficam atrás na
religiosidade, no puritanismo e no moralismo do católico mais picuinhas.
Ora qualquer pessoa que conheça
minimamente a Igreja portuguesa vê-a embevecida pela esquerda. É comparar a
complacência com Sócrates face às críticas cerradas a Passos Coelho. E, se
tiver de me lembrar das figuras arrebatadas que faziam os padres católicos com
Guterres, ainda hoje coro com vergonha alheia.
Tem piada. A Igreja adora e
protege uma esquerda que cada vez mais a execra e despreza os católicos. Até
parece que a esquerda tem um fetiche com a Igreja como os católicos
ultraconservadores (agora felizmente são postos no lugar pelo Papa Francisco)
com os gays. Obsessão tão dramática que, exemplo, uma ateia declarada se vê
impelida a opinar sobre um questionário que a diocese de Lisboa fez aos
católicos no âmbito do sínodo para a família. O tal que pretendia tratar de
assuntos tão interessantes para um ateu como a comunhão (sacramento em que o
ateu não acredita) para os divorciados e o acolhimento nas paróquias
(instituições que o ateu não frequenta) de famílias e crentes que até agora
eram excluídos.
E com a ajuda da Igreja chegámos
aqui. Temos um governo transformado em agente comercial da Fenprof a angariar
mais sindicalistas para Mário Nogueira – e que reconhecimento da aldrabice do
argumento da duplicação de recursos é prometer-se contratar professores e
auxiliares despedidos das escolas com contratos de associação para as escolas
estatais. Temos um governo com pessoas com dificuldade na matemática: diz
bastar contratar mais dois professores por cada turma que se abrir (Carlos
Guimarães Pinto argumenta que são três), como se as escolas não tivessem também
mais gastos de manutenção dos equipamentos então mais usados, eletricidade,
mais vigilantes, etc.
Temos um governo que considera
que tudo na vida em sociedade tem de passar pelo estado – mas isso não espanta,
afinal são socialistas. Eu tenho opinião contrária e digo que o estado só deve
estar onde os privados não conseguem chegar – afinal sou da inexistente direita
liberal. E temos ainda um governo que tem o prazer acrescido de dar uma
cacetada na Igreja encerrando-lhes colégios que prestavam bons serviços aos
alunos que ensinavam, que passarão a desfrutar as greves da Fenprof em dias de
exames.
Pode ser que da próxima vez a
Igreja saiba escolher as companhias.
Título e Texto: Maria João Marques, Observador,
11-5-2016
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