Alberto Gonçalves
Segunda-feira. A meio do
Jornal das 8 da TVI, José Alberto Carvalho anuncia a "peça" (e que
peça) seguinte: "Pai das deputadas Joana e Mariana Mortágua mantém a
rebeldia e a insatisfação sem meias palavras. É Camilo, o revolucionário."
Começa a coisa. Um velho
passeia em São Bento e a voz off explica: "Salazar e Caetano hão-de dar
voltas na tumba face às regras da democracia parlamentar que permitem hoje a
Camilo Mortágua caminhar livremente pelos Passos Perdidos." Corte para o
interior do "hemiciclo", o qual revela que a voz off pertence a um
sr. Bandarra, em princípio jornalista. A narração prossegue, por sua vez
revelando que o sr. Bandarra pratica um estilo de jornalismo, vá lá, peculiar:
"Camilo participou nos mais célebres, arriscados e espectaculares golpes
contra o regime fascista [sic]." Intercalada com fotografias de arquivo, a
hagiografia continua: "Camilo, aqui atento, crítico e sempre utópico. Mas
terá sido para isto que lutou e arriscou a vida?" Ao fundo, ergue-se
música épica. Enfim, Camilo fala.
E fala, com
"gravitas" de serão teatral, para confessar que, afinal, a democracia
parlamentar, cheia de "contradições" e "fingimentos", não é
bem o seu género. Se calhar, proibiam-se as bancadas do PSD e do CDS e aquilo
ficava composto. O sr. Bandarra não vai por aí: "Camilo não é homem de
fingimentos ou meias palavras" (já alguns profissionais da TVI não dispõem
de muitas palavras inteiras), pretexto para evocar a história do Santa Maria e
o desvio do avião da TAP, ambos "os primeiros desse tipo em todo o
mundo." Por acaso é uma cabeluda mentira, mas ao sr. Bandarra interessa
menos a realidade do que demonstrar que os Descobrimentos não cessam de correr
no sangue lusitano. Desse por onde desse, o "célebre assalto ao Banco de
Portugal na Figueira da Foz" não pôde reclamar estatuto de pioneiro. Em
compensação, deu origem "à fundação da mítica LUAR". Logo, garante o
sr. Bandarra, Camilo é: a) um terrorista; b) um criminoso comum; c) um
maluquito. Nada disso: "É um histórico da luta e acção directas." E
teve "uma vida cheia". O sr. Bandarra, cujo crânio parece vazio, não
questionou os propósitos altruístas do roubo. Ou a legitimidade da "acção
revolucionária".
Após lamentar que não se façam
filmes "de suspense e aventura" sobre Camilo, "libertário e até
romântico", o sr. Bandarra parte para a "peça" em si. O
desplante prossegue - informa o visor - por vinte minutos, nenhum desprovido de
elogios ejaculatórios do sr. Bandarra, que trata o revolucionário por
"tu" e explica que este "sempre insistiu em pensar pela própria
cabeça", característica indispensável no marxismo.
Por falta de espaço, e de
compreensão dos paginadores do DN para com os grandes heróis do totalitarismo
indígena, não posso contar tudo. Limito-me a revelar dois ou três pontos altos.
Quando comenta o assassínio de um dos oficiais do navio sequestrado, Camilo
limpa as unhas e diz "É a vida." E acrescenta: "Somos todos
culpados, incluindo ele." Um tribunal a sério discordaria. Depois, Camilo
informa que "a violência não física é por vezes muito mais violenta do que
aquela que faz sangrar". O marinheiro abatido também discordaria, mas isso
já são manias. Segundo o sr. Bandarra, o Santa Maria foi "uma espectacular
operação".
Pelo meio, há uma digressão
acerca das populares filhas de Camilo, a quem os pais deram "toda a
informação", desde que, evidentemente, "assentassem no caco"
certos "princípios". Ou seja, lá em casa discutia-se o espectro ideológico
de M a M, ou de Marx a Mao. Uma das meninas, não sei se a que, sem dúvida sob
influência parental, publicou a meias com Francisco Louçã um livrinho
intitulado Isto É Um Assalto, proferiu umas banalidades alusivas à
"consciência política" e "coerência" do paizinho.
Presumo que o sr. Bandarra
ainda arranjou lugar para enaltecer as proezas de Camilo posteriores ao 25 de
Abril, da ocupação da Torre Bela à condecoração de Jorge Sampaio (a Ordem da
Liberdade, naturalmente). Mas o texto vai longo e o meu estômago não permitia
mais. A TVI apresentou "Camilo, o Revolucionário" como "uma
reportagem que contribui para melhor se compreender a história recente de
Portugal". Para melhor se compreender a história recente, recentíssima, de
Portugal poderíamos igualmente recorrer aos indicadores económicos, que na
última semana mantiveram o trilho do desastre. Ou aos ataques ao carácter dos
jornalistas que, de José Rodrigues dos Santos a José Gomes Ferreira, não se
curvam devidamente perante os potentados socialistas. Ou à tomada definitiva da
educação (força de expressão) por parte do sr. Nogueira e dos comparsas do sr.
Nogueira. Ou às ameaças do sr. Nogueira aos "comentadores de direita"
que ousam descrever a perigosa nulidade que ele, factualmente, é. Ou ao menosprezo
um bocadinho racista pelos "ignorantes" do congresso brasileiro por
parte de iluminados que fazem alianças com partidos comunistas ou que integram
partidos comunistas. Ou ao riso permanente e desconchavado da criatura que
ocupa o cargo de primeiro-ministro.
Escolhi, porque sim, a
redentora peça do sr. Bandarra com o romântico Camilo, um momento de
pornografia mental que não serve para quase nada, excepto para ilustrar na
perfeição o estado a que isto chegou e sobretudo o estado a que, salvo milagre,
isto chegará.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Não publicamos comentários de anônimos/desconhecidos.
Por favor, se optar por "Anônimo", escreva o seu nome no final do comentário.
Não use CAIXA ALTA, (Não grite!), isto é, não escreva tudo em maiúsculas, escreva normalmente. Obrigado pela sua participação!
Volte sempre!
Abraços./-