João Miguel Tavares
O escândalo é este: tudo isto era
previsível, e era exactamente por ser previsível que uma política de reposições
aceleradas é um crime.
Hergé percebeu tudo sobre a
malandrice portuguesa quando criou Oliveira da Figueira para alívio cómico nos
livros de Tintim: com bonomia e um sorriso nos lábios, somos
excelentes a aldrabar. Tintim encontra pela primeira vez o vendedor português
em Os Charutos do Faraó, e acaba a cena carregado de tralha que não
lhe serve para nada, sem sequer dar por isso. “Que diacho de homem!...”,
suspira Tintim após adquirir um par de skis para usar no deserto. “Felizmente,
não me deixei ir na conversa dele, se não acabava por lhe comprar uma data de
coisas perfeitamente inúteis.”
António Costa é o novo
Oliveira da Figueira. Enquanto vai subindo alegremente nas sondagens (no
barómetro mensal da Aximagem, o PS já está seis pontos à frente do PSD), o país
continua a comprar-lhe vários pares de skis para usar no deserto. Ainda na
semana passada, quando confrontado com os péssimos números do crescimento, do
desemprego, do investimento e das exportações, o primeiro-ministro declarou oliveirafigueiramente:
“Se não tivéssemos apostado na devolução de rendimentos às famílias e no
aumento da procura interna, as dificuldades de crescimento seriam ainda
maiores.”
É uma frase extraordinária.
Reparem: António Costa recorre a uma política que boa parte dos economistas
garantem que irá estagnar o país; o país estagna; e Costa conclui: “Se não
tivéssemos apostado no mercado interno, ainda iria estagnar mais.” Ó senhor
Oliveira da Figueira, eu diria que há aí pelo menos duas notáveis aldrabices.
Para ilustrar a primeira
aldrabice, regressemos ao par de skis: eles até podem ser óptimos, só que não
servem para o deserto. Quando apelidei as políticas do regoverno de
keynesianismo para totós, não é porque eu acredite que o investimento público,
ou o aumento de salários, seja sempre mau, em qualquer altura – é porque
Portugal não tem, neste momento, condições para se endividar mais. Alguém
disse, e com inteira razão, que pedir a uma pessoa para dizer se é a favor ou
contra o investimento público é como pedir-lhe para dizer se é a favor ou
contra luzes acesas. Depende, não é? Na Alemanha, o Estado está a gastar de
menos. Em Portugal, está a gastar de mais.
Mas a segunda aldrabice é a
mais escandalosa. Os motivos que estão a ser apontados pelo governo, e por
muitos opinantes que concordam com as suas políticas, para a estagnação
económica portuguesa e para o consequente erro nas previsões do crescimento,
são inaceitáveis. Peguemos na crise em Angola, um mercado fundamental na performance das
exportações. Angola cortou 45% nas encomendas aos exportadores nacionais, o
que, só por si, levou a uma queda de 2% nas exportações do primeiro trimestre.
Mas digam-me: alguém tinha dúvidas de que isto iria acontecer?
É que o ponto é este, e não
outro. O petróleo bateu nos 40 dólares por barril em Agosto de 2015. Foi há
nove meses. O próprio António Costa referiu em entrevista à SIC que a
desaceleração já vem do segundo mestre de 2015. Verdade. Mas, então, o que é
que justifica as previsões absurdas de crescimento por parte do governo?
António Costa não pode empurrar os portugueses do parapeito e dizer de seguida:
“reparem que a culpa é da gravidade”. O escândalo é este: tudo isto era
previsível, e era exactamente por ser previsível que uma política de reposições
aceleradas é um crime. Mas lá está: desde que o estripador seja amável, nós até
abrimos a camisa para ele poder espetar melhor.
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