Alberto Gonçalves
Lembram-se de quando uma
criancinha enfiou 'espontaneamente' um cravo vermelho numa G3? Há quem se lembre,
e por estes dias tenha recuperado a bonita imagem, velha de quarenta e tal anos, para
o Facebook. De facto, espetar produtos de floricultura em armas de fogo era uma
actividade a que as crianças do meu tempo se dedicavam imenso (eu próprio
recheei algumas bazucas com buquês de gardénias).
Esse gesto simples e terno
definiu uma época, e desde então a consciência cívica dos petizes passou a ser
altamente valorizada. Pode levar-se os filhos a marchas avessas à
"austeridade", vigílias contra a "ditadura" de Bruxelas,
protestos dos estivadores ou dos revisores da CP e sobretudo arruaças em prol
da escola pública. O que não se pode é levar os filhos, ainda que três vezes
mais crescidos do que o mocinho do cravo, para defender alternativas à miséria
da escola pública, conforme aconteceu no domingo.
Para falar com franqueza, o
critério não é exactamente esse. O critério é este: os menores, mesmo que de
colo, são espontâneos e desejáveis em qualquer ajuntamento destinado a reclamar
dinheiro alheio e, desculpem a redundância, aprovado pelo Comité Central do
PCP. Nos ajuntamentos restantes, a exemplo do acima citado, a presença de
menores resulta obviamente de manipulação, coacção, talvez até tortura. Sem
ameaças, nenhum menino ou menina sairia à rua para exigir liberdade de escolha
e, de caminho, ajudar o contribuinte a poupar uns trocos. É evidente que há
aqui conspiração do capital.
Não vão por mim. Vão pela multidão
de comentadores isentos que denunciou tamanha infâmia, além de diversas
infâmias adicionais. A acreditar no que li e ouvi, a manifestação dos colégios
com "contratos de associação" junto ao parlamento constituiu um
momento particularmente repelente da nossa história. Aquilo era uma
desavergonhada exploração de catraios (por oposição ao adorável catraio de
"Abril"). Aquilo era uma data de "betinhos" inimigos do
bem-comum (por oposição aos heróis que vivem à custa dele). Aquilo era um bando
de lacaios da iniciativa privada (por oposição aos valentes serviçais da CGTP).
Aquilo era um séquito de adoradores do lucro (por oposição aos fiéis do
prejuízo). Aquilo tem de acabar.
No que depender dos poderes em
vigor, aquilo vai acabar. Isto da cidadania só é muito lindo com regras. Se, ao
contrário da maioria esclarecida e dependente do Estado, uma parte da população
não acata os translúcidos benefícios do colectivismo, os aeroportos estão
abertos e, para os renitentes, as cadeias também. Do alto da sua bondade e
domínio da língua, o dr. Costa e o Presidente Marcelo fartam-se de apelar à
"descrispação" da sociedade.
Porém, não existe entendimento
possível com neoliberais/fascistas, toldados pelo ódio e pela crença absurda de
que um governo subordinado a estalinistas terminará em desastre. Se a situação
o exigir, parte-se os dentes à reacção, como sugeria o camarada Álvaro. Ou
põe-se os patrões na ordem, como sugere a camarada Catarina. Ou, no caso em
questão, fecham-se os colégios e pronto, como adverte um blogue patrioticamente
amigo do PS.
O essencial é manter o rumo do
socialismo, custe o que custar. Os reaccionários sabem que custará demasiado,
mas felizmente não contam.
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