terça-feira, 16 de agosto de 2016

80 anos da Olimpíada de Berlim: propaganda e racismo!

Cesar Maia
1. A decisão de atribuir os XI Jogos a Berlim foi tomada em 1931, ainda durante a República de Weimar e antes da ascensão do Partido Nacional Socialista (nazista) ao poder. A cidade favorita era Barcelona, mas a proclamação da II República Espanhola, a 14 de abril de 1931, dias antes da votação, assustou o Comitê Olímpico Internacional (COI).

2. Berlim era uma cidade em espera há pelo menos 20 anos. Recebeu os Jogos de 1916 que foram cancelados devido à 1ª Guerra Mundial. Penalizada pelo seu papel no conflito, a Alemanha regressou ao convívio olímpico em 1928. Atribuir os Jogos de 1936 ao país era um passo no sentido da normalização da relação dos alemães com o COI e com o mundo.

3. Mas com a consagração de Adolf Hitler como chanceler alemão, a 30 de janeiro de 1933, aos poucos, foram-se revelando indícios de que a política não estaria ausente dos Jogos. Em 1934, Bruno Malitz, porta-voz nazista, condenou o desporto moderno por estar infestado de “franceses, belgas, polacos e judeus negros”. A 19 de agosto desse ano, um editorial da publicação “Der Volkische Beobachter” defendeu que os Jogos Olímpicos deviam ser exclusivos a atletas brancos.
  
   
4. Para os novos governantes, o evento — e os Jogos de inverno, em Garmisch-Partenkirchen, que antecediam os de verão — seria um gigantesco palco de propaganda do Terceiro Reich e de demonstração da superioridade dos arianos, “a raça pura”, através das qualidades dos seus atletas.
     
5. O mundo ainda não testemunhara os horrores do Holocausto nem os assaltos territoriais do poder nazista, mas as suas políticas racistas já provocavam repulsa. Introduzidas a 15 de setembro de 1935, as Leis de Nuremberg impunham a xenofobia e o antissemitismo e confirmavam o estatuto “sub-humano” (“untermensch”) dos judeus.
     
6. Hitler procurava dissipar as dúvidas que cresciam e dava garantias de que atletas alemães judeus seriam autorizados a competir nos Jogos de Berlim, que a política não iria interferir e que o espírito olímpico seria respeitado. O regime nazista procurava mascarar as suas reais intenções, e desmentir que as suas políticas eram discriminatórias, mandando retirar das ruas os indícios de perseguição aos judeus e convocando atletas de ascendência judaica, como a esgrimista Helene Mayer.

7. Campeã olímpica em 1928, em Los Angeles, Helene tinha ficado vivendo nos EUA. Hitler pediu-lhe pessoalmente que regressasse à Alemanha para disputar a qualificação para os Jogos. Em Berlim, a esgrimista seria segunda, atrás da húngara Ilona Elek, igualmente judia. Helene competiu com a suástica no uniforme e fez a saudação nazista quando subiu ao pódio.
       
8. Outros atletas alemães judeus foram excluídos com o argumento de não pertencerem a clubes desportivos “oficiais”, apesar de terem obtido resultados que os qualificavam. Era o caso de Gretel Bergmann, detentora do recorde nacional do salto em altura, que as autoridades nazistas apagariam dos registos. Ela foi substituída por Dora Ratjen, que ficaria em quarto lugar e que, mais tarde, se descobriria ser… um homem.
     
9. Apesar das dúvidas e desconfianças que cresciam, o COI decide não retirar à Alemanha a organização dos Jogos. Nos Estados Unidos, um movimento apelando ao boicote, impulsionado pelo membro do COI Ernest Lee Jahncke, tinha cada vez mais apoio entre congressistas, clérigos de todas as confissões, jornalistas, artistas e escritores.
      
10. Duas posições esgrimiam argumentos: uns defendiam que participar seria apoiar as posições antissemitas de Hitler; outros diziam que havia que separar esporte da política. O próprio COI era equívoco em relação à chamada “questão judaica”. Os EUA acabariam por decidir participar nos Jogos de Berlim, após uma votação renhida. “A política e o desporto não se podem misturar. A única oportunidade de sobrevivência do movimento olímpico é manter-se alheio da política”, defendia Avery Brundage.           
  
11. O estádio foi ampliado para poder receber 110 mil espectadores e a piscina 18 mil. O sistema de transportes dos atletas era eficiente e os equipamentos de contagem de tempos e de foto-finish eram os mais sofisticados alguma vez usados. Nas principais ruas de Berlim, havia grandes bandeiras com a suástica em abundância. Tudo em grande para impressionar os visitantes e quem assistia à distância — os Jogos de Berlim seriam os primeiros a serem transmitidos pela rádio e pela televisão. A grandeza dos Jogos — o sucesso do regime e o orgulho nacional do povo — seria documentada pela cineasta Leni Riefenstahl no filme “Olympia” (1938). Dividido em duas partes (“Festival das Nações” e “Festa da Beleza”) —, onde não faltam multidões sorridentes a desfrutarem do espetáculo.
         
12. A 2 de julho, Hitler declarou abertos os XI Jogos, numa cerimônia que mais se assemelhou a uma coroação. Na tribuna, acolitado por outras figuras sinistras do regime nazista, o Führer via 100 mil alemães esticarem o braço e ouvia-os gritar o fanático “Heil Hitler”. Perante aquele mar de suásticas, os atletas eram supostos saudarem Hitler.
          
13. No medalheiro, pela primeira vez na história dos Jogos, a Alemanha tomou o primeiro lugar aos EUA, conquistando 89 medalhas (33 de ouro), contra 56 dos norte-americanos (24 ouros). Entre os medalhados norte-americanos havia dez afro-americanos, que conseguiram um total de oito ouros, quatro pratas e dois bronzes. Quatro medalhas de ouro (100m, 200m, estafeta 4x100m e salto em distância) foram ganhas pelo mesmo homem: o afro-americano James Cleveland Owens (a alcunha JC, usada por familiares e amigos, seria confundida na escola com “Jesse”), que assim deitaria por terra as teses do nacional-socialismo alemão e o mito da superioridade ariana.
           
14. Nascido em 1913, no Alabama, este filho de agricultores e neto de escravos, o sétimo de onze irmãos, bateria em Berlim três recordes olímpicos e dois mundiais. Uma afronta para Hitler e todo o aparelho nazista. O presidente do COI, Baillet-Latour, fez saber a Hitler que, como convidado de honra, ou recebia todos os medalhados ou não recebia nenhum.
           
15. Os Jogos de Berlim teriam sido os de Jesse Owens em qualquer circunstância. Mas o regresso do atleta a casa seria amargo... “Hitler não me desprezou — foi Franklin Delano Roosevelt quem me desprezou. O Presidente nem sequer me enviou um telegrama”, diria o afro-americano. Em campanha eleitoral para as presidenciais desse ano, Roosevelt negou-se a receber o atleta com receio de perder votos nos estados segregacionistas do sul.
           
16. Na Alemanha, Owens tinha partilhado alojamento com atletas brancos, enquanto em muitos hotéis nos EUA havia segregação. Apesar das medalhas ganhas, o atleta continuou a ter de entrar nos ônibus pela porta de trás e, quando de uma recepção em sua honra no Hotel Waldorf-Astoria, em Nova Iorque, teve de usar o elevador de serviço. 
             
17. Os Jogos de Berlim foram os últimos realizados em vida de Pierre de Coubertin. Morreria a 2 de setembro de 1937, em Genebra. O seu coração foi sepultado em Olímpia num jazigo especialmente construído em sua honra. Não sobreviveria, pois, para ver, pela segunda vez, os Jogos serem derrotados pela política — duas edições seriam canceladas por causa da II Guerra Mundial.
Título e Texto: Cesar Maia, 16-8-2016

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2 comentários:

  1. Jesse Owens, "deitou por terra" as teses "nazistas"?!Uma boa mentira holocau$tica! A Alemanha "nazista" esmagou os arrogantes ianques imperialistas em Berlim em 1936, essa é a verdade!!!

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  2. Owens disse: “Hitler não me desprezou — foi Franklin Roosevelt quem me desprezou. O Presidente nem sequer me enviou um telegrama”. Isso mostra como a Alemanha Nazista era top. Merecia ter ganhado a guerra sem dúvidas e dominar a Europa toda. Uma pena.

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