quinta-feira, 4 de agosto de 2016

A vida fática do ser humano

Valdemar Habitzreuter


É fato que o ser humano está aí existindo e sabe que existe. Tem consciência disso e experiencia a vida factualmente no decurso do tempo. Além disso, pergunta-se a si mesmo o que ele é. Outros entes não se questionam a respeito. O cão, o cavalo e a árvore não se fazem tal pergunta.

Ao questionar-se, o homem quer saber o sentido de tudo o que existe e de sua própria existência. E formula, então, outra pergunta: por que e para que existo e existem as coisas ao invés de nada?

A partir daí começa seu conflito existencial mundano e tenta decifrar o porquê de estar jogado neste mundo circundado por coisas e fatalmente encaminhando-se para a morte. Há, pois, três elementos com que se depara: 1) ele é um ser no mundo, 2) ele está às voltas com coisas e 3) ele sabe que vai morrer.

Como encara tudo isso? Estar no mundo significa que o ser humano foi lançado aí e tem de se virar, se realizar a todo instante, fazer projetos com os quais tenta dar sentido a sua existência. Os dias e os anos passam e vê-se circunscrito ao tempo, dentro de uma historicidade, onde perfaz sua trajetória de vida com projetos pessoais que definem seu status quo, talvez como engenheiro, médico, religioso, jogador de futebol... etc.

Não está sozinho nesta jornada temporal, é um ser-com-outros, seus semelhantes que também têm seus projetos de vida. Compartilham crenças e afetos, são solidários, pois encontram-se na mesma situação, jogados no mesmo mundo e condenados a existirem. Na contemporaneidade, as redes sociais, embora virtuais, são um bom exemplo da necessidade de interação e compartilhamento da vida fática em comum.

O seu estar aí no mundo, outrossim, implica estar rodeado de coisas com as quais se ocupa, servem como instrumentos para alguma finalidade (fazer uma casa, uma carroça, uma mesa, uma canoa, uma enxada...). O mundo é isto: o ser humano, um ente entre outros entes - as coisas - sem a dualidade ou oposição sujeito/objeto; todos são entes do mesmo mundo (apenas o homem sabe que é um ente, enquanto as coisas são carentes dessa ciência). O mundo constitui-se, portanto, do estar aí do ser humano cercado de coisas cumprindo sua existência temporal.

Além do mais, sabe que vai morrer; isto é, a vida é a possibilidade da impossibilidade de existir para sempre neste mundo e isto o angustia, sabe que é um ser para a morte. Parece que a morte lhe tira todo o sentido da vida acabando com os projetos a que se lança a todo instante pela subsistência e autorrealização ao longo do tempo; mas, é a morte a conselheira e companheira de todos os instantes despertando-lhe a consciência de como conduzir-se apropriadamente na vida, dando-lhe sentido.

Foi o filósofo Heidegger que cunhou o ditado: "O Dasein (o ser-aí do homem) é um ser-para-a-morte". Portanto, o homem projeta-se para a morte, tem a morte cada vez mais próxima no decorrer do tempo; é o projeto que a vida lhe determina peremptoriamente e que deve ser levado em conta para saber o modo autêntico de viver. Como dizia Sêneca, “viver em conformidade com tal projeto e cortejá-lo com pleno vigor de alma é dar sentido à existência, e quem teme a morte, nunca agirá conforme sua dignidade”.

Na filosofia oriental, à qual Heidegger era simpatizante, a morte significa a inserção do ser humano no absoluto do Nada, que nada mais é que no absoluto do Ser – no Nirvana da quietude. 
Título e Texto: Valdemar Habitzreuter, 4-8-2016

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