Valdemar Habitzreuter
É interessante como tratamos e
valorizamos a amizade. Necessitamos dela. O ser humano caracteriza-se pela
sociabilidade. Não nos concebemos num solipsismo completo, sem contato com o
outro. Não haveria progresso para o modo mais cômodo de viver se não houvesse a
convivência e cooperação entre nós humanos. Cada qual contribui de uma forma ou
outra, com engenhosidades e ideias, para usufruirmos mutuamente desta vida com
proveito e alegria.
E hoje em dia está em voga a
amizade virtual pelas redes sociais. Através delas ufanamo-nos daquilo que
postamos, queremos que o outro veja o bom caráter que somos, o quanto somos
inteligentes, íntegros e interessados em esclarecer, ajudar, admoestar,
criticar construtivamente, e, inclusive, meter o pau naqueles que consideramos
fora de nosso círculo de amizade (nossos desafetos políticos, por exemplo) pelo
que representam de desarmonia, desacordo e perigo para um convívio pacífico em
sociedade.
Mas cuidado! Podemos estar
agindo de má-fé ao querermos passar uma imagem positiva de nós mesmos, isenta
de imperfeições. Geralmente, procuramos esconder a parte escura de nós,
mentimos não só aos outros como a nós mesmos; consciente ou inconscientemente
agimos inapropriadamente encobrindo o lado vil enraizado em nós e não queremos
que os outros o notem. Nossas postagens sempre deixam transparecer o lado bom
de nossa personalidade, queremos ser vistos pelos outros como se fôssemos
pessoas impecáveis (?) e íntegras (?)...
Embora, por um lado, haja
postagens impessoais de grande proveito, pois nos alertam, ensinam e nos
alargam em conhecimentos, temos que tomar em conta, por outro lado, de que
somos amigos virtuais e, como tal, temos por objetivo mais a satisfação de
estabelecer um relacionamento virtual descompromissado e compartilhar o que
achamos conveniente do que propriamente firmar uma amizade sincera, concreta e
inabalável; isto é, a gostosa amizade virtual nada mais é que a ânsia de
curiosidade do que o outro tem a nos transmitir de si e dos acontecimentos que
o acometem, e, estando distante, é fácil considerá-lo amigo, pois sua maneira
de ser não afeta diretamente nosso modo de viver.
Há de se notar, pois, o
seguinte: lidar com amigos virtuais é bem mais fácil do que tê-los constante e
concretamente presentes. Já se colocaram na posição de precisar conviver
diariamente vis-à-vis num espaço físico com seus amigos do FB e encarar-se olho
no olho, viver juntos, falando de si, de seus desejos, de seus projetos e de
mil assuntos? Que desastre seria isto! Ninguém aguentaria, passaríamos a nos
detestar.
A razão disso é que prezamos a
liberdade à maneira egocêntrica. Aliás, é a liberdade que nos caracteriza como
seres humanos e é através dela que fazemos nossas escolhas pessoais e queremos
que nossos projetos de vida se realizem. Assim, conviver uns com os outros num
mesmo ambiente físico torna-se um tanto problemático e desastroso, pois todos
têm sua vontade própria e lutam para impor seu modus vivendi. Assim, as mais das vezes, queremos que nossas
vontades prevaleçam, pois julgamo-nos mais aptos, mais inteligentes, mais
probos, sem defeitos, e, assim, desprezando o que o outro nos tem a oferecer de
útil.
Neste sentido, falta-nos um
espelho no qual nos olhar e descobrir nossas imperfeições. Não um espelho de
vidro que só consegue refletir as imperfeições físicas, mas um espelho que nos
revele as distorções de caráter de cada um. O olho do outro pode ser esse
espelho; nós a mirá-lo e ele a nos refletir muito de nosso caráter, revelando
os defeitos enraizados em nós que são encobertos pela máscara da vanglória
pessoal que alimentamos, dificultando o relacionamento mútuo. O bordão de
Sartre: “o inferno são os outros” é característico do choque de vontades
egóicas, culpando sempre os outros pela nossa infelicidade...
Portanto, não temos como
escapar, como seres sociáveis que somos, de relacionarmo-nos uns com os outros;
e a avançada tecnologia de comunicação nos faculta o relacionamento à distância
pelas redes sociais. Aproveitemos e divirtamo-nos, pois, com nossas amizades
virtuais, bem mais fáceis de conservar à distância, e demos o privilégio da
amizade estreita e profícua àqueles que convivem junto a nós no dia a dia,
dispostos às correções de nossas imperfeições que o espelho do olho do outro
nos revela. Isto evita o ‘inferno existencial’.
Título e Texto: Valdemar Habitzreuter, 10-8-2016
Prezados, acho fantástico! Principalmente quando são pessoas que conhecemos e convivemos por algum tempo!
ResponderExcluirPessoas que admiramos, e que nos sentimos próximos, não é necessário estarmos juntos 24 hs.
Acho este convívio salutar e maravilhoso! Abraços,
Heitor Volkart
PS: Pessoas sinceras expõem também suas fraquezas, não só as glórias!