O patriotismo emprestado é uma completa
idiotia. Noutra prova aquática, exigia-se que “todos torcêssemos” pelo
concorrente brasileiro. Preferia torcer o pescoço ao comentador
Alberto Gonçalves
Primeiro anel. Além de parecer bom moço, Michael Phelps é, de
certeza e de longe, o maior atleta da história do desporto. A carreira que
agora encerrou só não é inacreditável porque está minuciosamente registada.
Fosse português e arranjaria uma hérnia discal graças a tantas comendas.
Segundo anel. Os resumos diários da "prestação"
portuguesa dizem imenso sobre a nossa célebre "identidade". Durante
10 ou 15 minutos, inventaria -se o desempenho dos atletas indígenas de modo a
parecer que estiveram quase, quase, quase a conseguir grandes proezas. O
"quase" é aqui fundamental, já que as proezas nunca acontecem. É um
rol interminável de desistências, vitórias morais, brilhantes sétimos lugares,
desculpas esfarrapadas, desculpas impecáveis, favoritos que se ficam pelos
fundilhos da classificação e desastres tão espalhafatosos que nem o
"jornalismo" patriótico consegue encontrar atenuante. Para quem levar
estas coisas a sério, é deprimente. Para os outros, entre os quais me incluo, é
uma galhofa.
Terceiro anel. Consta que o problema português é a popular
"falta de condições". Do alto dos seus luxos, o Quénia e a Etiópia
discordam: o problema é a falta de jeito. Em 120 anos de olimpíadas, não há maneira
de admitir simplesmente que, tirando meia dúzia de indivíduos excepcionais, não
nascemos para isto. Tudo somado, Portugal juntou 24 medalhas em 29 JO (4 de
ouro), o que nos eleva um bocadinho acima do Taipé Chinês e um bocadinho abaixo
de Michael Phelps. É grave? Absolutamente nada. É só absurdo perpetuar o
equívoco. E é ridículo fingir que um "bronze" ou dois, celebrados
como se fossem o Segundo Advento, o desfazem.
Quarto anel. Os relatos televisivos das participações portuguesas
são um delicioso wishful thinking. Numa prova de natação, à entrada da última
piscina, o excitado comentador garantia que a nossa compatriota ia "muito
bem". Ia em penúltimo, e em penúltimo permaneceu. É uma das vantagens do
patriotismo: confunde-se facilmente com a inocência das crianças. Já o
patriotismo emprestado é uma completa idiotia. Noutra prova aquática, exigia-se
que "todos torcêssemos" pelo concorrente brasileiro. Preferia torcer
o pescoço ao comentador: a que propósito me interessaria especialmente a
vitória de um brasileiro por oposição, digamos, à vitória de um peruano, belga
ou senegalês? A língua comum? Sob esse belo "argumento" eu seria
"irmão" da dona Dilma, dos "comediantes" da Porta dos
Fundos e de Ivete Sangalo. Antes ser mudo, e, como abençoadamente acontece,
filho único. Já é castigo suficiente partilhar a Pátria com as gémeas Mortágua.
Quinto anel. De Berlim, 1936, a Munique, 1972, os JO possuem um
belo historial de anti-semitismo. Rio, 2016, honra a tradição através dos
assobios à delegação israelita na cerimónia de inauguração, do judoca egípcio
que recusou cumprimentar o adversário (israelita, escusado dizer), do judoca
saudita que fingiu uma lesão para não defrontar um possível adversário
(israelita, claro) e da delegação libanesa que impediu a congénere (israelita,
imaginem) de partilhar o autocarro. Em tempos tão atentos ao
"racismo", o racismo sem aspas passeia alegremente.
O BOM
Ninguém segura esse país
As boas notícias não param.
Agora é a revelação de que há cinco universidades portuguesas entre as 500
melhores do mundo. Em breve, será divulgado que temos seis laboratórios
científicos entre os 800 mais modernos, sete cidades entre as 1.400 mais
bonitas, oito restaurantes entre os 3.150 mais categorizados, nove aviões entre
os 24.000 mais eficazes no combate aos fogos, um Governo entre os 200 mais
espectaculares e 10 milhões de pessoas entre os sete mil milhões mais
fascinantes.
O MAU
Cantando e rindo
Segundo especialistas e
politólogos – "especialistas" e "politólogos" são sujeitos
que acham o dr. Costa, homem talvez alfabetizado, um portento de inteligência
–, o discurso de Pedro Passos Coelho no Pontal peca por falta de entusiasmo
face ao radioso futuro que nos espera. Pelo contrário, PPC exibiu um pessimismo
que faz dele o maior desmancha-prazeres em actividade. E, fora e dentro do PSD,
das raríssimas vozes lúcidas num País definitivamente convertido ao lema da
Mocidade Portuguesa. Lá vamos. Mas não vamos longe.
O VILÃO
Estupidez sem fronteiras
Em cooperação com o Turismo de
Portugal, com o apoio da GNR e sob protecção de uma inacreditável lei, o INE
anda a interceptar automobilistas (e a perturbar o trânsito) junto à fronteira
para responder a um inquérito sobre turismo internacional. A coisa, que além da
identificação dos passageiros, inclui perguntas sobre escolaridade, gastos no
destino e o que calha, é obrigatória. Cada cidadão que responda com sinceridade
e empenho a tamanho abuso merece ser enxovalhado pelo Estado todos os restantes
dias da sua tristíssima vida.
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