Rui Ramos
Não temos só um problema económico, mas
também político: só a UE limita neste momento o poder do governo em Portugal
sobre uma sociedade cada vez mais envelhecida, empobrecida e dependente.
António Costa promete
restituir à função pública os salários com que José Sócrates ganhou as eleições de
2009. Eis a sabedoria política que resume a actual governação: é possível
mandar no país desviando todos os recursos para os que dependem do Estado: quem
tiver do seu lado os funcionários, os pensionistas, os subsidiados, os
parceiros, os protegidos e os instalados, não precisa dos outros, dos jovens,
dos activos, dos independentes, de todos os que em Portugal estão por sua
própria conta. Primeiro, porque os dependentes do Estado são suficientemente
numerosos e motivados para formar um bloco eleitoral decisivo, e
previsivelmente inclinado para quem estiver determinado a sacrificar o resto da
sociedade a seu favor, como se viu em 2009; depois, porque faz sentido esperar
que, sendo as vantagens da dependência tão óbvias, esta se torne um ideal
social, de modo que, para quem está de fora, o objectivo não seja mudar o
sistema, mas um dia ser admitido nele.
Mas dir-me-ão: isso talvez
seja assim, mas o governo faz questão do défice orçamental. Sim, é verdade: um
governo e uma maioria parlamentar que se propunham ser julgados pelo
crescimento da economia, esqueceram-se entretanto da economia e do seu
crescimento, e esperam ser avaliados pura e simplesmente pelo cumprimento da
meta do défice combinada com a UE. Uma contradicção? Só aparentemente. O valor
do défice é uma questão de sobrevivência, na medida em que é a condição de
acesso ao dinheiro europeu que, através da dívida pública, permite manter o
sistema sem apertar ainda mais o garrote fiscal. O governo e a sua maioria
parlamentar todos os dias maldizem a UE, mas dependem totalmente da Comissão
Europeia e do BCE, e nada fazem para diminuir essa dependência. É este o
mecanismo da dependência em Portugal: quanto maior a dependência da população
em relação ao Estado, maior a dependência do Estado em relação às instituições
europeias.
Ao fim de dez meses deste
governo, todos os indicadores que foram tradicionalmente usados para condenar a
“austeridade da troika” entre 2011 e 2014 pioraram ou pelo menos não
melhoraram: a taxa de crescimento do PIB, o investimento privado e o público, o
desemprego, e veremos o que aconteceu à emigração. É, em grande medida, o
resultado da desapiedada concentração de recursos num Estado que os usa para
fins políticos: não para investir ou melhorar serviços, mas para manter o
máximo de dependentes com as maiores regalias possíveis. Basicamente, voltámos
à situação dos anos que antecederam o resgate de 2011. A dívida do Estado e das
empresas públicas, que tinha diminuído, voltou a crescer. Porque é que as
mesmas políticas haveriam de ter resultados diferentes?
Toda a gente já sabe que temos
um problema económico. Mas quem sabe que também temos um problema político? Não
é possível imaginar a liberdade política sem cidadãos independentes e uma
sociedade civil forte. Mas o açambarcamento de recursos pelo Estado reduziu a independência
da classe média a um ideal sem futuro. Só os juros e o petróleo baratos
compensam, por enquanto, o assalto fiscal. Se acrescentarmos a isso o
enfraquecimento das grandes instituições tradicionalmente autónomas (Forças
Armadas, Universidade, Igreja), ou a descapitalização das empresas, a conclusão
é óbvia: o único freio e contrapeso dos governos em Portugal já não está dentro
do país, mas fora. Só a Comissão Europeia e o BCE, na medida em que condicionam
o financiamento do Estado, limitam neste momento o poder governamental sobre
uma sociedade cada vez mais envelhecida, empobrecida e dependente. E é por isso
que tudo isto, tanto como um problema económico, é um problema político.
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