segunda-feira, 24 de outubro de 2016

A pobreza da esquerda

Alberto Gonçalves
É por estas e por outras que, pelo menos em Portugal, boa parte da "direita" só merece aspas e, com frequência, uma marretada na cabeça. Agora certa "direita" deu em criticar o governo por prejudicar os pobres e, assim, ignorar a sua principal "causa" (felizmente as aspas ainda não são taxadas). Segundo a tese, há uma contradição entre a lendária preocupação da esquerda com os desgraçadinhos e as recentes medidas que mandam os desgraçadinhos apanhar bonés, dos impostos indirectos aos salários dos administradores da CGD, da punição das pensões mínimas às tropelias em volta da "sobretaxa" de IRS.

Não vale a pena discutir as medidas, mistura de saque a tudo o que se mexe e de benesse aos que se encontram em posição de reclamar. Talvez valha a pena perguntar à "direita" em questão de onde tirou a extraordinária ideia de que a perpetuação e o fomento da pobreza traem os "princípios" da esquerda: nem de propósito, esses são os seus fins. E se o país não se parecesse demasiado a um asilo de lunáticos, o país notaria que a História está repleta de exemplos alusivos de como o "progressismo" ideológico é especialista em fazer progredir a miséria. Não há um único exemplo inverso. E não podia haver, sobretudo quando, grosso modo, um programa político se fundamenta no ressentimento e no parasitismo, e o roubo organizado é "justificado" pela crença de que umas dúzias de fanáticos e oportunistas utilizam melhor o dinheiro do que as pessoas que o ganharam.

A lamentável ironia disto é que a esquerda não se limita a criar pobres, mas alimenta-se da respectiva existência. Na oposição, os pobres, reais e imaginários, servem de argumento eleitoral. No poder, servem de criminosa compensação "moral": ainda que a esquerda espatife uma economia, espalhe a desgraça e, nos regimes que consagram os verdadeiros apetites do BE e do PCP, vulgarize a fome, o "facto" é que agiu com as melhores intenções, invariavelmente sabotadas por "interferências" internas e externas. É difícil imaginar patranha tão infantil. Porém, em pleno século XXI (para recorrer a um desagradável cliché), é espantosa a quantidade de gente que a reproduz e, em situações de idiotia terminal, a engole.

Lembram-se da "austeridade" de 2011-2015, a qual, receosa ou injusta consoante os dias, respondeu aos delírios do eng. Sócrates e, mal ou bem, esforçou-se por devolver a nação a trilhos civilizados? É impossível esquecer, visto que os "telejornais" andaram quatro anos a oferecer-nos o rol das vítimas do dr. Passos Coelho, da troika e do "neoliberalismo" (?): a "austeridade" forçava as crianças a chegarem subnutridas à escola; a "austeridade" aumentava o número de suicídios; a "austeridade" desmantelava o sistema público de saúde; a "austeridade" propagava os divórcios; a "austeridade" empurrava os jovens para a emigração; a "austeridade" despenteava os pêssegos carecas; etc.

Quanto ao assalto em curso, que se esgota em si próprio, que nos aproxima do Terceiro Mundo e que deixará imensas saudades da "austeridade" (e, aposto, dos delírios do eng. Sócrates), passa na "informação" televisiva a título de "crescimento", "redução do défice", "virar de página", o tal "tempo novo". Até um rating sofrível, antes motivo de galhofa, é hoje uma celebrada proeza. Porquê? Porque o assalto em curso é de esquerda, salvo-conduto para que coisas abomináveis sejam encaradas com a devida ternura. Onde havia maldade gratuita, reina uma caríssima bondade.

A esquerda, cujo admirável combate à desigualdade apenas se traduz no rendimento (dado que em breve não sobrará nenhum), gosta tanto de pobres que não se satisfaz com os que há. A esquerda precisa de mais pobres. Os pobres de espírito precisam da esquerda. E certa "direita" precisa de juízo. 
Título e Texto: Alberto Gonçalves, Diário de Notícias, 23-10-2016

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