A conversa da substituição de Passos é
totalmente ociosa. O PSD não tem ninguém melhor para o lugar, nem melhor
estratégia para enfrentar o actual governo. Não devia ser assim? Mas é assim
que é.
Parece que Passos Coelho faz
muita impressão à oligarquia portuguesa. Os oligarcas estranharam-no como
primeiro-ministro, e estranham-no agora como líder da oposição. Como primeiro-ministro,
Passos teve de executar o ajustamento negociado pelo PS perante a iminência da
bancarrota. Todos apostaram que não ia conseguir. Conseguiu. Por isso, ganhou
as eleições e, fora do governo, continuou a liderar o partido.
A situação de Passos é assim
singular. Em quarenta anos de democracia, só outro político se manteve à frente
do partido depois de sair do governo: Mário Soares, em 1978. Soares em 1978 e
Passos em 2015 têm isto em comum: o seu governo não acabou por terem perdido
eleições (como Santana em 2005 ou Sócrates em 2011) ou por haverem, digamos
assim, “desistido”, abdicando de uma nova candidatura (como todos os outros).
Soares foi derrubado pelo presidente, e Passos por uma manobra parlamentar. O
que quer dizer que os seus rivais não dispõem, contra Passos, como não
dispunham contra Soares, do argumento do fracasso. Passos, afinal, é líder do
maior partido da Assembleia da República.
A conversa da substituição de
Passos é, de resto, totalmente ociosa. O PSD não tem ninguém melhor, nem melhor
estratégia. Quais são os sucessores de que se fala? Uns nunca ousaram, outros
já uma vez perderam. E qual é a política alternativa? Inaugurar o populismo
nacionalista em Portugal? Ou substituir o PCP e o BE no papel de escudeiros
parlamentares de António Costa?
Não devia ser assim? Num
partido como o PSD devia haver mais gente, e num país como Portugal devia haver
mais opções? Talvez. Mas é assim que é.
A questão que nos devia interessar não é, porém, nenhuma dessas, mas esta: tem Passos Coelho razão? Passos Coelho já teve razão uma vez, contra toda a gente. Foi entre 2011 e 2015. Passos convenceu-se de que era urgente recuperar a credibilidade externa para assegurar o financiamento do Estado e da economia. Em alguns momentos, como em Julho de 2013, pareceu ser quase o único a pensar que era possível. Aguentou, não desistiu. Não é exagerado dizer que sem ele teria havido um segundo resgate. Por fim, as exportações aumentaram, o desemprego diminuiu, e foi agora possível reverter “cortes”. Passos tinha razão.
Neste momento, Passos está
persuadido de que este governo, com a sua maioria, não serve a Portugal. É um
governo que trabalha para as estatísticas europeias, porque depende cada vez
mais do dinheiro do BCE para fazer défice e dívida, mas não é o governo capaz
de habilitar os trabalhadores e empresários portugueses para competirem nos
mercados globais. Os trabalhadores e os investidores em Portugal estão
limitados pelo encargo de gerar rendas para certos grupos e corporações.
Reformar seria atenuar esse encargo. Mas o governo fez desses grupos e
corporações a sua base de apoio. Passos parece admitir que a política
clientelar de Costa possa adiar uma alternância no poder, mas não acredita que
impeça os credores, logo que o BCE diminuir ou cancelar a assistência, de
repararem no mau aspecto de um dos países cuja economia menos cresceu e mais se
endividou no século XXI. Tem Passos outra vez razão?
Podemos discutir a liderança
de Passos, lamentar certos maneirismos, esperar outro tipo de intervenções.
Passos devia ser mais “eloquente” e mais “visionário”? Talvez. Convinha-lhe ser
mais “hábil” e mais “afectuoso”, como a oligarquia agora parece gostar? Provavelmente.
Mas nas condições presentes, a questão é mais simples: Passos Coelho está
certo, ou não? É este o governo e são estas as políticas mais apropriadas para
cumprir o mandamento presidencial do “crescimento económico”? Tudo o mais é
futilidade oligárquica.
Título e Texto: Rui Ramos, Observador,
3-1-2017
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