terça-feira, 3 de janeiro de 2017

[Atualidade em xeque] A barata albina e a cereja do bolo

José Manuel

Assim que ficaram prontas as obras de revitalização do Porto do Rio de Janeiro resolvi visitar aquela área, naquele momento tão badalada.

Dentro do ônibus, no vão central da ponte Rio-Niterói, onde se vislumbra um dos mais bonitos cenários da cidade, procurava encontrar o tão falado Museu do Amanhã e com muita dificuldade finalmente o encontrei, pois navios de cruzeiro, enormes que estavam ancorados no pier e muito mais altos que o dito museu o ofuscavam completamente.

A imagem que me veio à cabeça naquele momento foi que ali estava uma barata albina em sua total brancura, perdida, fugidia e desalojada de sua principal função, entre os transatlânticos. O Museu do Amanhã tem apenas 20m de altura. Um navio de cruzeiro que atraca muito perto, tem entre 60 e 66m de altura.

Achei que estava exagerando na minha crítica pessoal, mas, ao chegar lá, bem à minha frente, senti que a perspectiva havia sido ultrajada mais uma vez pela politicalha indecente. O navio ancorado ao seu lado esquerdo (do museu) continuava a me dar a mesma impressão vista lá de cima da ponte. Desaparece uma obra de milhares de dólares, só na chegada de um grande navio. Não, não estava com a impressão errada, fiquei bastante irritado, decepcionado e, infelizmente, a cidade do Rio de Janeiro perdeu uma grande, uma enorme oportunidade de ser um roteiro cultural internacional.

Três são as cidades conhecidas internacionalmente por fazer de suas baías em pequenos promontórios ou mirantes, a sala de visita de uma ou de outra.

A primeira e mais antiga, a Austrália nos brinda com uma magnífica obra como a Ópera House de Jorn Utzon, (1973), com 67m de altura, na baía de Sydney e num lugar muito similar ao do Rio, mas que ao contrário deste, aparece como um símbolo internacional da cidade australiana em todo o seu esplendor e em vários ângulos.

Na ordem por inauguração, nos aparece a maestria do Oscar Niemeyer, felicíssimo mais uma vez em ter escolhido um mirante elevado (30m) e à beira da baía de Guanabara, numa obra de arquitetura simples, futurista e excepcional. O Museu de Arte Contemporânea tem 16m de altura, o que o eleva a um total de 46m de altura em perspectiva e, por todos conhecido como MAC (1996), torna-se também o simbolo da cidade de Niterói e pode ser visto até do Corcovado no Rio, pois a sua localização é simplesmente extraordinária.

Por último, temos a clarividência genial do arquiteto canadense-americano Frank Gehry na sua obra do Museu Guggenheim Bilbao, (1997) à beira do rio Nervión e forrado por escamas de titânio se projetando a 50m de altura. Pode ser visto de quase todos os pontos de Bilbao. Uma obra magnífica.

Como se pode observar, não basta ter áreas degradadas, querer copiar o que se fez em outros países, plantar um projeto sem pé nem cabeça, e a toque de caixa. Os dois projetos acima citados (Sydney e Bilbao) trazem para as suas cidades milhares de dólares e turistas anualmente. Essa é a sua segunda função primordial. O MAC, por exemplo, inseriu Niterói no calendário turístico internacional trazendo amantes da arquitetura e divisas para a cidade, outrora desconhecida do turismo exterior.

Nos três casos facilmente se observa a preocupação paisagística e, principalmente, o cuidado técnico com as perspectivas arquitetônicas, primordiais em qualquer obra de grande envergadura. Aqui não, salvo o MAC, consequência da estrita observância do arquiteto maior, como se diz popularmente, foi tudo nas coxas.

Nada contra o arquiteto espanhol Santiago Calatrava, mas a obra da Cidade da Música inicialmente e hoje Cidade das Artes na Barra é que deveria estar no lugar do Museu do Amanhã pois é a correta para o lugar, inclusive por não ser museu, até por que já existe na mesma área, o MAR (Museu de Arte do Rio), por sinal, muito bonito e premiado em 2013 com o maior prêmio internacional de arquitetura, o Architizer A + Award.

O complexo cultural da Barra, com várias salas de música e sede da Orquestra Sinfônica Brasileira, é um monumental projeto com 30m de altura, do arquiteto francês Christian de Portzamparc, uma obra digna de ser apreciada, mas infelizmente no lugar errado.

Com certeza iria colocar o Rio e a orla agora descoberta, no cenário cultural internacional, trazendo noites inesquecíveis aos cariocas.

Quanto ao Museu do Amanhã, a meu ver, é insípido, não tem apelo, é uma estrutura pesada, pobre na altura, sem perspectiva e sem objetivo. Lamento dizer, mas sua vida será efêmera, pois tem muita tecnologia e pouca consistência cultural. Mais uma obra de ocasião, no lugar errado.

A perda da oportunidade foi uma pena, e como se pode ver tudo sempre errado, no lugar errado. Também errado e inconsistente é o que afirma a politicalha de plantão, de que tudo o que se construiu naquela área, é legado da olimpíada. Não é, isso chama-se obrigação política e administrativa. Fácil é dizer que aconteceu por um motivo. Quero saber se o administrador queria ou não fazer sem motivo, apenas por ser seu dever.

A pergunta que não cala é: quer dizer que se não houvesse olimpíada o centro histórico ainda estaria abandonado e não teria sido feito nada? O monstrengo Perimetral ainda continuaria lá? Como apareceu o dinheiro? E a vontade repentina em fazer?

Desde o início da construção do elevado da perimetral em 1950 que não se colocava um centavo naquela área histórica e portuária. Estava extremamente degradada com incalculáveis prejuízos à cidade, à sua população, ao turismo, ao comércio local e à imagem do Rio.

E a politicalha do Estado iria continuar a deixar para lá porque não lhes convinha.

De repente a lâmpada de Aladim se acendeu, os bolsos começaram a tilintar e a possibilidade de se divisar lucros fantásticos a futuro fez com que a máquina travada, inerte na inépcia do voto, começasse a trabalhar furiosamente e as obras foram aparecendo mais fácil do que imaginamos.
A Lava Jato está aí mostrando em 3D o porquê de tanta agilidade.

Preferiram investir rios de dinheiro nestes 66 anos, na construção de túneis, viadutos e autoestradas na Barra, construindo uma concentração jamais vista de bolos de tolo (shoppings) naquela área, reduto de asfixia social pelo concreto, quando só agora descobriram que a cereja desse mesmo bolo como atrativo, está exatamente na área do Porto e Praça XV.

Existe coisa mais agradável do que ir da Praça XV à Praça Mauá e voltar, pela orla e a pé? Foi extremamente reconfortante rever os prédios coloniais ressurgirem do limbo.

Fazer os passeios patrocinados pela Marinha, visitar a Ilha das Cobras só para ver de frente onde tudo começou, não tem preço.

Agora, por favor, se vocês não tiveram competência para fazer isso em 66 anos, só fizeram obrigados porque algo iria acontecer, entreguem tudo, mas tudo mesmo à iniciativa privada porque senão aquilo vai virar um reduto de vagabundos, assaltantes e prostitutas.

Bem na cara da porta de entrada do turismo de cruzeiros. 
Título e Texto: José Manuel - estava entalado desde a Olimpíada. Não quis estragar o primeiro saborear carioca, mas não sou eternamente iludido nem hipócrita. 3-1-2017

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9 comentários:

  1. Excelente descrição de algo que foi apenas e sòmente erguido com o intuito de por o nome na história...o prefeito que construiu aquele monumento que logo, logo vai virar um xiqueiro!! uma pena!

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  2. Começaste muito bem.
    Meus aplausos sinceros. Falou tudo.

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  3. O meu olhar será sempre crítico e dependendo, extremamente ácido.
    Não há mais no mundo moderno, lugar para políticos que queiram se igualar a Ramsés II, sua fixação por placas, e continuem jogando dinheiro público pelo ralo.
    Ao contrário, o que foi ou for feito pensando na honestidade do amanhã, em prol do país e da sociedade, terá sempre o meu efusivo aplauso.
    José Manuel

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  4. THOMAZ Raposo de Almeida Filho4 de janeiro de 2017 às 10:54

    Visão excelente, crítica e técnica dada por um apreciador das artes, pessoa que será sem dúvida um futuro colunista e escritor do amanhã. Parabéns meu amigo

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  5. Sentia algo assim como descreves. Daí minha falta de interesse em visitar o Museu do Amanhã.
    Concordo com você, falta algo naquela estrutura, porque nos remete diretamente à Sydney e lá aquela obra nos enche os olhos.
    Boa sacada, José Manuel!

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  6. Ainda não tive a oportunidade de visitá-lo, nem tampouco seu entorno.
    Não acho oportuno comentar o que não pude ver.
    Só espero que, a população, devido o descaso de seus governantes não destrua um local que têm tudo para ser mais um marco na cidade apesar, das controvérsias.
    Sérgio Avellar

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  7. Não tive ainda a oportunidade de conhecer o Museu do Amanhã. Moro em outro estado. Tudo fica difícil quando nosso 7.0 vai ficando cada vez mais distante.
    Teu artigo vem provar o quanto és conhecedor de tudo que gira ao teu redor e mais além.
    Tem uma força de conteudo incrível. Revela conhecimentos mil. A sensibilidade de escritor lateja em cada palavra, em cada frase.
    Só posso te pedir para que não pares nunca.
    Creio que o teu livro não tardará (primeiro?) a estar entre nós.
    Parabéns.
    José Jordão

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  8. Prezado Vieira Dutra, fico feliz em saber que você também teve a mesma sensibilidade para o descrito. Ao perceber isto você perdeu a vontade de o visitar. Imagine daqui para a frente com o passar do tempo e a coisa se tornar mais evidente.
    Foi realmente uma pena e é lamentável o que fazem com a cidade.
    José Manuel

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