quarta-feira, 11 de janeiro de 2017

Natais de minha infância

Plinio Maria Solimeo


Quem não viveu por volta dos anos 40 ou 50 do século passado, dificilmente poderá imaginar como eram os Natais naqueles idos tempos, e o que eles significavam para as crianças.

Lembro-me, com saudades, dos Natais de minha infância, na minha querida e pequenina cidade de Duartina natal (SP), onde passei os mais belos anos de minha meninice.

Éramos então seis filhos, todos eles homens, em escadinha. Meu pai trabalhava duro para sustentar a família, e minha mãe desdobrava-se no serviço da casa, cuidando de toda a filharada, cozinhando, limpando, e mesmo costurando nossas roupas, pois naquele tempo as lojas de roupa feita nas cidades do interior eram muito raras. Além disso, o orçamento de meu pai não permitia comprar nessas lojas.

Apesar de todas essas limitações, nossa infância era feliz, a família era muito unida, educada no temor de Deus e no cumprimento dos deveres religiosos.

Como acontecia com todas as crianças naquela época, o Natal era para nós a grande festa do ano! E o esperávamos com sofreguidão. Não porque iríamos ganhar presentes, pois sabíamos que nossos pais não poderiam comprá-los. Entretanto, isso não nos preocupava, pois fôramos educados numa disciplina espartana, e sabíamos compreender a situação.

Aliás, sendo tantos, não nos faltavam ocasiões de entretenimento, pois jogávamos bola ou brincávamos de esconde-esconde na rua, que ainda era de terra, íamos nadar no rio Serrote, e frequentemente comprávamos frutas numa chácara, onde nós mesmos tínhamos que subir nas árvores para apanhá-las, pois comprávamos por cento. Quando brincávamos na rua, um assobio nos dava a entender que a hora de parar chegara. E que cada novo assobio significaria uma palmada. Não adiantava dizer “eu não ouvi”. Era disciplina militar!

Uma das coisas que mais nos encantava no Natal era o clima de alegria e de festa. Principalmente o da vigília pascal. Havia uma bênção no ar, um imponderável qualquer no ambiente, que tornava tudo atraente, diríamos santo, e que nos atraía. E o ponto culminante era a “Missa do Galo”, sem a qual não havia Natal. Isso perdurou mesmo com a calamidade da II Guerra Mundial.

Nesse dia tínhamos que nos deitar mais cedo, para acordarmos às 23h30, a fim de nos prepararmos para a Missa. Evidentemente, tínhamos receio de não acordar e perder assim a Missa. — “Mamãe, a senhora me acorda?”, era a nossa súplica antes de nos deitarmos. — “Sim, meu filho, não se preocupe”. — “A senhora não se esquece?”. — “Não, pode dormir”. Insistíamos, e só depois de muitas promessas íamos dormir.

Quando ela nos acordava, que alegria! Vestíamos logo nossa melhor roupa e, sôfregos, atravessávamos a praça onde ficava nossa casa, correndo para a igreja.

Nesse dia a nossa humilde igreja, dedicada a Santa Luzia, parecia transfigurada com luzes e flores! Tudo parecia mais belo! Tudo nos fazia lembrar o Céu! Todos estavam alegres e de bom humor. Até o Pe. Jorge, nosso pároco, parecia mais ameno, mais cordato, e nos fazia esquecer os pitos que nos dava na hora da confissão. Revestido dos paramentos dourados para a Missa solene, ele se nos afigurava um Bispo!

O Santo Sacrifício da Missa nos agradava de modo especial, e não tínhamos tanta pressa em sair da igreja. Cantava-se o “Noite Feliz”, o “Adeste Fidelis”, e outras músicas natalinas que nos enchiam de alegria, apesar do nosso pequeno coro paroquial estivesse longe de ser um coro profissional.

Nossa alegria era ainda maior se tivéssemos sido escalados para ajudar na Missa como coroinhas. Com uma pequena batina preta e sobrepeliz branca, corríamos até o Hotel Santos, na esquina da praça, a fim de pegar brasas para o turíbulo a ser usado durante o Santo Sacrifício. A cozinheira, negra retinta, gorda e sorridente, escolhia para nós as melhores brasas. Saltitando, corríamos para a igreja, balançando nosso turíbulo, com medo de os carvões se apagarem, chegando ofegantes à sacristia, bem no início da Missa.

Quando, durante a cerimônia, o sacerdote colocava o incenso sobre as brasas do turíbulo, nós o balançávamos com força, para que as lufadas de fumaça azulada e cheirosa se espalhassem pela igreja.

À saída da Missa havia os cumprimentos, dos quais nos desvencilhávamos logo que podíamos para correr para casa, pois sabíamos que lá alguma surpresa nos aguardava.

Com efeito, minha mãe, com os parcos recursos de que dispunha, sempre preparava alguma coisa especial, ora algum bolo diferente, ora biscoitinhos, e sempre uma xícara de chocolate quente. Punha na mesa a melhor toalha e também algumas flores, sempre que possível. Os seis irmãos nos regalávamos com tudo, como se tratasse de um banquete de reis, em meio a grandes exclamações e muita algazarra, até nossos olhinhos começarem a se fechar de sono. Íamos então para a cama. Mas a festa não terminava aí.

No dia 25, após o café da manhã, corríamos para a praça onde ficava o jardim público, pois nesse dia as crianças das famílias mais abastadas iam ostentar seus ricos presentes. Nós nos deleitávamos em vê-los, sem inveja, alegrando-nos com os que estavam alegres. E voltávamos para o almoço, sabendo que teríamos um franguinho assado, criado no nosso quintal.

Nosso módico presente geralmente consistia em uma moeda de mil réis para cada um, que utilizávamos para ir à matinée nesse dia, ou para gastar comprando bombons ou sorvetes. Isso representava para nós uma fortuna, e ficávamos tanto ou mais felizes do que as crianças receberam regalos muito mais valiosos. Tratava-se da “felicidade de situação”, na qual nos contentávamos com o que tínhamos, sem invejar o que não tínhamos.

Isso tudo era possível porque naquele tempo, muito antes do Concílio Vaticano II, tinha-se muito mais fé e espírito sobrenatural do que agora, em que o materialismo desfigurou tanto as festas cristãs, como o Natal, que se tornaram ocasiões apenas para incrementar o comércio.
Título, Imagem e Texto: Plinio Maria Solimeo, ABIM, 11-1-2017

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