Cesar Maia
1. A Operação Mãos Limpas, na Itália, foi deflagrada durante o mês
de fevereiro de 1992 com a prisão do diretor de uma instituição filantrópica em
Milão. Ou seja: um comissionado indicado por partido político. Dois anos
depois, 2.993 mandados de prisão haviam sido expedidos, 6.050 pessoas sob
investigação, sendo 438 parlamentares, 1.978 administradores locais e 872
empresários. Ver livro "Operação Mãos Limpas" de Barracetto, Gomez e
Travaglio.
2. Com toda a "tecnologia" desenvolvida na "Mãos
Limpas" e a experiência a partir daí acumulada (intimação, prisão
preventiva, delação premiada, uso ostensivo de algemas, vazamentos para atrair
apoio de opinião pública e da imprensa...), a Operação "Lava Jato",
deflagrada em março de 2014, dois anos e dez meses depois, ainda tem números
bem aquém daqueles na Itália.
3. Uma leitura atenta do "Mãos Limpas" explica - ou pelo
menos insinua - as razões. Uma delas é o que o magistrado Di Pietro - coordenador
da "Mãos Limpas" - chamou de 'teoria da doação ambiental', chamada
também de 'corrupção sistêmica'. Ou seja, esse "propinópolis"
estabelece um "sistemão" que torna automática e sistemática a
corrupção com pagamento da mesma porcentagem de propinas por atividade,
independente da empresa que vença a "licitação".
4. A Lava Jato apresenta uma versão da doação ambiental onde as
porcentagens de propinas combinadas são ex-post, enquanto na Mãos Limpas, são
ex-ante.
5. A segunda e talvez principal razão do multiplicador da Mãos
Limpas é a dinâmica da expansão das delações premiadas. Na Mãos Limpas as
delações premiadas, já na primeira etapa, envolveram os políticos e foram
deflagradas horizontalmente, ou seja, de políticos a políticos.
6. No Brasil - na Lava Jato - a dinâmica de delações premiadas se
dá a partir de empresários e operadores - como doleiros. Aqui, o ex-senador
Delcidio Amaral é ainda uma exceção. Os políticos que se propõem a realizar
delações premiadas são – ainda - exceções à regra e, levando em conta a
hierarquia, são casos raros e menores - ainda.
7. Com isso, as delações de cima para baixo (empresários e
operadores) tendem a enfrentar desafios, dificuldades e obstruções muito
maiores nos seus alcances e multiplicadores.
8. O primeiro sinal de que se pode repetir na Lava Jato o
multiplicador da Mãos Limpas é a Operação Calicute, no Rio de Janeiro. Alguns
dos participantes políticos - com ou sem mandato - insinuaram que estariam dispostos
a realizar delações premiadas.
9. Se isso ocorrer, a probabilidade de vir um tsunami, tipo Mãos
Limpas, aqui, é muito grande.
10. Um elemento preliminar que permite convergências entre Mãos
Limpas e Lava Jato, segundo os autores, é a coincidência entre uma gravíssima
crise econômica e ambas as operações.
Título e Texto: Cesar Maia, 31-1-2017
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