Alberto Gonçalves
Nas televisões e nos jornais,
sobram, por enquanto, alguns lugares onde a “direita” consegue aliviar-se de
duas ou três opiniões. O quadro geral, porém, é de uma humilhante submissão ao
poder vigente e às respectivas simpatias
Há dias, a dona Catarina do
BE, afirmou a um diário que, face à dívida, só nos resta a “negociação
unilateral”. O conceito tem a pertinência de, digamos, um matrimônio
individual, no qual o noivo vai à conservatória e a noiva nem o conhece. Mesmo
assim, a dona Catarina não se riu, os jornalistas que a entrevistaram não se
riram e Portugal não sucumbiu a uma epidemia de gargalhadas idêntica à de
Tanganyika. Na nossa exótica vida pública, certas criaturas e certas “ideias”,
alucinadas que sejam, adquiriram o curioso direito de ser levadas a sério.
Lembrei-me deste episódio
quando, anos depois, voltei a concordar com um artigo de José Pacheco Pereira (Uma comunicação social cada vez menos plural,
no Público). Não concorde com o
artigo inteiro, nem sequer com metade. A bem dizer, não concordei com quase
nada, excepto com o pedacinho em que JPP reclama “uma comunicação social menos
enfeudada ao poder do ‘pensamento único’, que não condicione pela agenda, pelo
tratamento de títulos e notícias, pela duplicidade política do que entende
‘grave’ ou venial e que, acima de tudo, atue num sentido único da vulgata que passa nos nossos dias por
ser a ‘realidade’”.
Para encontrar uma amostra
destas patentes desgraças, basta ver A
Quadratura do Círculo, programa televisivo em que – ai a coincidência – JPP
e dois confrades “debatem” a “atualidade”. Há muito que, na maioria das
emissões, a “atualidade” se resume ao líder da oposição, e o “debate” consiste
em matá-lo, esfolá-lo e, mal JPP toma a palavra, em triturá-lo com esmero. Se A Quadratura mandasse, Pedro Passos
Coelho demitia-se semana sim, semana sim, empanado em alcatrão e penas. De
caminho, e ainda que empurre jovialmente o País para nova bancarrota, o chefe do
Governo – e antigo membro daquela confraria – escapa incólume ou medalhado
pelas suas proezas. Misteriosamente, o “pensamento único” de que JPP se queixa
é o da “direita”.
Não caio na infantilidade de
recorrer ao argumento exatamente oposto. Nas televisões e nos jornais, sobram,
por enquanto, alguns lugares onde a “direita”
(leia-se tudo o que não se desfaz em mesuras perante a oligarquia) consegue
aliviar-se de duas ou três opiniões. O quadro geral, porém, é de uma humilhante
submissão ao poder vigente e às respectivas simpatias. No fundo, cerca de 87% do espaço “mediático” (desculpem) disponível serve para desancar em Pedro Passos Coelho
e bajular os abundantes inimigos dele. Ocasionalmente, para desenjoar,
bate-se em alvos acessórios e que com retorcida habilidade lá se arranja forma
de associar ao presidente do PSD: a “troika”, o senhor Trump, o “neoliberalismo”,
o “nacionalismo”, a “globalização”, os lucros da banca, as perdas da banca,
etc. O fato de não haver aqui vestígio de coerência, ou de vergonha na cara,
não prejudica a estratégia. A acreditar nas sondagens, favorece-a.
Moral da história? Não existe.
Existe uma evidência: a vulgata
omnipresente é aquilo que JPP, aí por 2011 e razões que não comento, desatou a
defender. E a realidade, sem aspas, é o que nos cairá em cima, não tarda.
Previsivelmente, como de costume, os autores da farsa sairão dela entre risos.
Nós já não iremos a tempo.
Título e Texto: Alberto Gonçalves, Sábado, nº 665, de 26 de janeiro a 1 de
fevereiro de 2017
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Não publicamos comentários de anônimos/desconhecidos.
Por favor, se optar por "Anônimo", escreva o seu nome no final do comentário.
Não use CAIXA ALTA, (Não grite!), isto é, não escreva tudo em maiúsculas, escreva normalmente. Obrigado pela sua participação!
Volte sempre!
Abraços./-