Aparecido Raimundo de Souza
1
DE REPENTE, NO MEIO DO CAMINHO DE VOLTA PARA CASA, deu uma
tremenda de uma caganeira em Manoel. Sem saída, e se contorcendo para não sujar
as roupas (só tinha uma muda) parou e olhou em volta. Transeuntes iam e vinham,
numa afobação descomedida. Bairro de gente rica era assim mesmo: lojas
espalhadas por todos os lados das calçadas, gente entrando e saindo. Do outro
lado da avenida, crianças se divertiam numa pracinha cheia de brinquedos, ao
lado de suas mães, enquanto outras, acomodadas em luxuosos carrinhos, passeavam
acompanhadas de suas respectivas babás.
2
Manoel tinha que dar um jeito. E rápido. A coisa, por
dentro, explodiria a qualquer momento. Avistou o esqueleto de um prédio
abandonado em meio a outros tantos edifícios de portes sinuosos. Estava ali, no
centro daquela selva de cimento armado, a solução para seu problema. Sem pensar
mais, correu ligeiro. À outrance que
o movia, atravessou em meio ao movimento incessante, pouco se importando com os
carros que cruzavam em ambos os sentidos buzinando atabalhoadamente.
- “Filho de uma égua!”
- “Quer morrer, desgraçado?”
- “Sai da frente Mané”.
3
Logo que se viu seguro e longe de olhares curiosos,
desafivelou o cinto, baixou a calça surrada, a cueca remendada, levantou a
camisa manchada e posicionou o cano de descarga com a extremidade do orifício
anal voltada para alguns centímetros do chão. Pouco antes de largar o batente
(era auxiliar de ajudante de pedreiro), soltara uns bufos que pareciam normais.
Contudo, à medida que se aproximava do seu canto de sossego
(morava numa favela três quilômetros longe do trabalho), essas ventosidades
ficavam mais ferozes, se tornaram decisivas e concludentes, a ponto de darem
lugar a impulsivos traques barulhentos e estrepitosos, que estouravam
estranhamente, e, com arroubos, o que o fazia olhar longamente para todos os lados,
desconfiado, aturdido, pensando, talvez, que a multidão que cruzava com ele, em
sentido contrário, escutasse a voz chorosa do seu intestino desordenado.
4
Entretanto, Manoel não atinou com o principal. Nem dava
tempo. Um bando de moleques bebia, fumava crack e cheirava cola num outro
extremo da velha construção. Quando viram que o infeliz pegava exatamente a
direção de onde estavam, cessaram por momentos a algazarra e se esconderam, à
espreita, para ver o que ele viera urdir longe do burburinho que reinava em
meio a toda aquela agitação.
- “Que será que esse sujeito quer aqui?”
- “Véiiii... acho que mijar...”
- “Agachado?”
- “Talvez soltando um ‘barro”.
- “Vamos conferir?”
5
Foram bisbilhotar e descobriram que o pobre do Manoel,
amoitado por detrás de umas paredes umedecidas batia realmente “uma laje”,
expelia as impurezas que saiam precipitadas e impetuosas de seu interior, como
se estivessem sendo detonadas num culto macabro, uma espécie de vazamento que
não tinha como ser contido. O cheiro forte da merda exposta, apesar de
misturado com a fumaça dos garotos, e, na rota de uma tênue ventilação que
soprava das bandas do mar, não dava vazão e fazia a fedentina entrar rasgando,
com vontade nariz adentro. Um dos observadores teve uma ideia. Atirar pedras no
infeliz. E assim foi.
6
A primeira arremetida acertou a parte carnosa do seu fundo
de agulha, exatamente no momento em que o infeliz precipitava, para fora, uma
nova enxurrada de água suja misturada com fragmentos de folhas de couve,
feijão, torresmo e linguiça de porco, restos de uma feijoada que a mulher
ganhara da patroa, no domingo. Essas matérias inflamáveis saíam fazendo uns
estardalhaços peculiares, atributos de quem efetivamente se envolvera em fortes
desarranjos. O fato é que ao bater de encontro com o chão coberto por chumaços
de capim molhados, a coisa se espalhava formando um imenso e esquisito círculo
avermelhado.
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A segunda pedrada pegou em cheio, na cabeça, um pouco acima
da testa. Por segundos, Manoel se sentiu meio grogue e atabalhoado. Seus óculos
caíram e ele se viu desafrontado pela breve cegueira que o impediu de enxergar
em derredor. Como se abaixara de cócoras, ajeitado em encantadora pudicícia, e,
por essa razão, sem ter onde segurar com firmeza, ou apoiar os cotovelos, lhe veio
à mente a infeliz ideia de espalmar as mãos sobre os olhos, com os dedos
separados uns dos outros. Foi seu mal. Desequilibrou o corpo, e, no momento
seguinte, despencou para trás, de costas, com as suas vias naturais expostas
bem no meio dos resíduos inúteis.
Embrabeceu. Virou bicho. Esqueceu até que precisava limpar o rego da
bunda.
- Puta que pariu! Puta que pariu, de rodinha, para andar
mais rápido - vociferou encolerizado! – Eu mato!
8
Enquanto tentava se soerguer, procurou não sujar o resto do
corpo, e, consequentemente, as roupas, pelo menos até poder acabar de chegar,
tomar um bom banho de lata (não dispunha de chuveiro nem água quente) e se
livrar daquele malfadado inconveniente catingoso.
***
Nessa hora, uma terceira pedrada zuniu no ar e voltou a lhe
acertar mais acentuadamente. O coitado do Manoel enfiou, então, a cara, no meio
do caldo das suas fezes. Enlameado pelo excremento, ficou de quatro patas, numa
posição ridícula. Decidido, levantou de vez, ainda cambaleante. Um choro
convulso tomou conta de seus olhos.
9
Recompôs como pode as roupas, e, em seguida, juntando as
forças que lhe restavam, pôs se a correr a esmo, sem saber a direção certa,
atrás dos pestinhas, ao tempo que soltava uma série de impropérios contra eles
numa fúria enfática.
- “Vou pegar vocês, seus malditos. E botarei no rabo de um
por um...”.
10
Nesse corre daqui, corre dali, e mais, dizendo insultos aos
fedelhos, à alta voz, numa gula de descontrole, a coisa degringolou. Para tumultuar,
os endiabrados garraram também a gritar, de sacanagem, para chamar a atenção.
Conseguiram. A cena, num abrir e fechar de segundos, mudou completamente de
rumo. Começou a juntar gente em frente ao edifício abandonado. O trânsito
parou. Buzinas danaram a tocar. Encostou um carro da polícia, sirene aberta,
faróis ligados. Em seguida mais outro. E outro mais. Uma pá de policiais
começou a se movimentar num farfalhar rumorejante enquanto outros tomavam
posições estratégicas. “Tinha um pedófilo molestando menores”. Cercaram o
local, enquanto um grupo de fardados se posicionava armado com cassetetes,
balas de borracha, bombas de efeito moral, metralhadoras e até escudos.
11
Quinze minutos depois conseguiram domar a fera perigosa. O
pobre indefeso do Manoel. O coitado saiu arrastado, o rosto lívido, destruído
pela flor negra da vergonha. Tinha as roupas e os sapatos borrados. Tudo nele
era um merdeiro só, polvilhado a fetidez do que restou da desastrosa vontade de
aliviar o intestino. Mesmo algemado, fedendo a titica podre, pior que fossa de
morro a céu aberto, o desditoso não deixou de segurar a sacolinha do
supermercado aonde levava a marmita vazia.
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Enquanto marchava para o camburão, deixando em seu rastro o
fruto de suas tripas, a turba, em derredor, sem saber direito dos fatos, não
perdoava, ao contrário, instigava a imaginação das autoridades.
- “Tarado, tarado, tarado! Pau nele...”.
Os meninos lá no interior da construção voltaram a se ocupar
do que faziam, enquanto riam e motejavam a mais não poder.
AVISO AOS NAVEGANTES:
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TEXTOS, POR QUALQUER MOTIVO QUE SEJA VIEREM A SER RETIRADOS DO AR, OU OS MEUS
ESCRITOS APAGADOS E CENSURADOS PELAS REDES SOCIAIS, O PRESENTE ARTIGO SERÁ
PANFLETADO E DISTRIBUÍDO NAS SINALEIRAS, ALÉM DE INCLUÍ-LO EM MEU PRÓXIMO LIVRO
“LINHAS MALDITAS” VOLUME 3.
Título
e Texto: Aparecido Raimundo de Souza,
jornalista, de Campos dos Goytacazes, norte do Estado do Rio de Janeiro RJ,
17-2-2017
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