Na disputa eleitoral de 2002, Lula falou da
morte da primeira mulher e chorou copiosamente diante das câmeras de Duda
Mendonça
Reinaldo Azevedo
Todos sabem a dureza com que
tratei, aqui e em toda parte, aqueles que resolveram fazer troça do estado de
saúde de Marisa Letícia, mulher do ex-presidente Lula. Ou a contundência com
que desqualifiquei os teóricos da conspiração, segundo os quais uma grande
armação estaria em curso, com a participação até de médicos, para transformar a
ex-primeira-dama em vítima, o que seria positivo para Lula. A Internet traz,
como se sabe, o lixo nosso — ou melhor: “deles” — de cada dia. E também
antevi o óbvio: o PT iria, sim, fazer uso político da morte de Marisa.
Infelizmente, já começou. E a personagem principal da indignidade é ninguém
menos do que… Lula! É um espetáculo bastante constrangedor, mas está longe de
ser inédito.
O discurso do marido de Marisa
no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, onde se realizou o velório, está em toda
parte. Ou melhor: a fala do líder máximo do PT em desagravo e homenagem à
“companheira” circula por aí. Mesmo quando evocou cenas domésticas, do
cotidiano familiar, quem falava era o homem que, se a lei permitir, quer
disputar de novo a Presidência da República em 2018. O velório de Marisa virou
um comício, e seu corpo, um palanque.
Sim, é verdade! Tanto eu como
os petistas não inovamos em 2017. Repetimos a postura que adotamos em 2009 e
2011, quando Dilma e Lula, respectivamente, tiveram câncer. Como assim?
Repudiei, então, as
manifestações de grosseria nas redes sociais e cobrei que se conservasse o
respeito humano de que ambos eram e são merecedores. Mas cumpre lembrar: foi a
dupla a fazer um uso asqueroso da própria doença. A então “candidata Dilma” se
tornou aquela que vencia até o inimigo invencível. Lula, em tempos de Lava
Jato, trombeteou sobre si mesmo: nem o câncer o derruba…
Em 2002
Bem, meus caros: ao dar uma tradução política à morte da Marisa, Lula não inova: na campanha eleitoral de 2002, contou a história da primeira mulher, que morreu logo depois do parto. E ele o fez para as câmeras de Duda Mendonça, o marqueteiro. E chorou muito. Queria votos.
Não estou aqui a sugerir que a
tristeza de Lula é falsa, arranjada, mera politicagem. Nada disso! Considero
que a dor é verdadeira. Mas é perfeitamente possível fazer as duas coisas:
sofrer e aproveitar a tragédia pessoal para… fazer política.
É claro que todos esperávamos
que o marido exaltasse as virtudes cívicas da mulher e asseverasse a sua
inocência. Afinal, ela era ré em duas ações penais. Segundo Lula, era “morreu
triste”. Bem, meus caros, até aí, vá lá, nada de surpreendente ou censurável.
Ocorre que ele foi muito além disso. Disse, por exemplo:
“Ela está com uma estrelinha
do PT no seu vestido, e eu tenho orgulho dessa mulher. Muitas vezes essa
molecada [os sindicalistas] dormia no chão da praça da matriz [de São Bernardo
do Campo] e a Marisa e outras companheiras vendendo bandeira, vendendo camiseta
para a gente construir um partido que a direita quer destruir”.
Pronto! A Marisa morta se
transformava ali num símbolo. E o ex-presidente não hesitou em usar o cadáver
como arma: “Na verdade, Marisa morreu triste. Porque a canalhice que fizeram
com ela… E a imbecilidade e a maldade que fizeram com ela… Eu vou dedicar… Eu
tenho 71 anos, não sei quando Deus me levará, acho que vou viver muito porque
eu quero provar que os facínoras que levantaram leviandade com a Marisa tenham,
um dia, a humildade de pedir desculpas a ela”.
A fala do bispo
O discurso de Lula foi o “grande momento” de um ato religioso oficiado por dom Angélico Bernardino, bispo emérito de Blumenau (SC) e conhecido padre de passeata. Aliás, antes mesmo que Lula enveredasse para a política, foi o homem de batina quem disparou: “A Marisa Letícia foi uma guerreira na luta a favor da classe trabalhadora. Atentem para as reformas trabalhistas que sejam contra os trabalhadores; a reforma da Previdência, contra pobres e assalariados. É preciso que estejamos atentos”.
Não se contentou. Para ele, a
crise econômica “é falsamente atribuída à administração dos dois últimos
governos”. Por “dois últimos”, entenda-se, está se referindo às gestões Lula e
Dilma. Para o bispo, o responsável deve ser, sei lá, FHC!
Vamos ver o que vem por aí.
Pudor, já deu para perceber, não haverá. Nem medida.
E noto algo curioso:
reuniam-se, em perfeita comunhão, os esquerdistas ideológicos, os sindicalistas
e a Igreja Católica dos vermelhos. A exemplo do que se via nos primeiros anos
de existência do PT.
Lula fazia uma aparente
exumação do passado para usar Marisa como instrumento de lutas futuras.
Título, Imagem e Texto: Reinaldo Azevedo, VEJA,
5-2-2017
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