domingo, 19 de março de 2017

[Aparecido rasga o verbo] 64 aos 19

Aparecido Raimundo de Souza

1
Hoje acordei com 64. Quem diria, seis décadas e meia! Nossa, parece que foi ontem, completava vinte...
Tempo bom e de muitas alegrias! A mocidade fluía de dentro do meu peito com uma intensidade elegante. E o mundo, bem, o mundo, à minha volta, era apenas o começo de uma estrada longa, cujo destino ignorava completamente.

2
Já naquela época, havia dois caminhos à frente: um inteiramente desconhecido, misterioso, secreto, o outro também. Qual seguir? Que direção tomar? Qual pedaço de chão me conduziria à vida plena, ao sucesso que todo rapaz no albor da juventude almejava?

3
Naqueles idos, a gente podia exercer livremente o livre arbítrio, esse alvedrio que todos carregamos, ou o poder de decidir sem maiores complicações o próprio destino sem a interferência de terceiros.  Segui, pois, aquele carreiro que me pareceu o mais bonito e cheio de paisagens formosas, onde um céu muito azul e sem nuvens parecia se encontrar com o horizonte lá adiante, tão amplo e vasto como a minha jornada incerta e obscura.

4
Passei por altos e baixos, vivi intensamente cada segundo desses dias, amei, fui amado, desprezei, fui desprezado, chorei e fiz chorar. A eterna lei do retorno sempre presente, não atropelando, mas ensinando que o que aqui se faz de bom, volve em bônus de venturas e empolgamentos, como o que se planta de ruim, vem em forma de tempestades violentas com relâmpagos irados riscando a amplidão e, sobretudo, mostrando que uma força superior está atenta, dia e noite, de olhos abertos, observando, conferindo, investigando os mínimos detalhes, apesar do domínio e do controle de todos os poderes que nos são destinados pelo Pai Maior.

5
Evidentemente, convivi com dias de completa magnificência, onde do acordar ao voltar a dormir, do sair às ruas e retornar, dava tudo certo, como um relógio novo, e, ainda não usado, como se uma varinha mágica de condão fosse fazendo as honras.

6
Igualmente fui presenteado com momentos de ventos perversos, onde uma série de turbulências inexplicáveis chegaram para marcar presença, assim como passei por pessoas me dizendo um monte de “nãos” e portas sendo fechadas. Cruzei com criaturas me virando o rosto, pressenti meu barco perdendo o rumo em mar proceloso, e o tempo, meu tempo, se esvaindo, se desmanchando, sem atinar com um porto certo onde ancorar com a tranquilidade almejada.

7
Muitos altos e baixos, mais baixos que altos. Pedrinhas no sapato atrapalhando os passos, saudades ingratas, muitas dores, seguidas de perdas irreparáveis. Contudo, equilibrando os pratos da balança, ventos calmos sopraram benfazejos. Promessas tomavam formas distintas, sonhos se abriam em realidades e dissiparam longos véus, enquanto luzes iam se acendendo, rapidamente, no final de cada túnel escuro que aparecia à minha frente.

8
De repente, a linha da minha vida ainda a ser percorrida parecia não ter mais fim. Vezes houve em que desejei ardentemente parar, dar meia volta e retornar ao ponto de partida. Mas não havia mais ponto nem como voltar...

9
Como seria bom me ver de novo dentro daquele menino de calças curtas, o moleque travesso que fazia artes e deixava a mãe de cabelos em pé. Vezes sem conta, igualmente vivi em que desgostoso de estar neste mundo, procurava a morte para finalizar com a existência. Mas um Deus bondoso sinalizava que precisava seguir em frente, de cabeça erguida, tropeçando, caindo, levantando, mas seguindo sempre adiante, firme e forte, confiante na convicção de que um dia a esperada flor da bonança nasceria num jardim encantado, e despejaria o perfume inebriante e mostraria a felicidade tanto tempo almejada.

10
Não fui muito bom, confesso. Não honrei a felicidade, ou os dons que recebi como o sopro perene da vida, a saúde, os olhos perfeitos, os braços e as pernas. Não fui muito bom comigo, verdade seja dita. Matei, aos poucos, desejos provindos de generosas fontes, afoguei num poço de lamas meus devaneios mais simples. Fugi da esperança, do amor, tranquei portas e janelas, criei uma redoma de vidro e me pus lá dentro, como um bicho enjaulado, igual preso condenado ao corredor da morte. Mas segui...

11
Apesar de tudo isso e dos percalços enfrentados pela longa estrada, consegui chegar até aqui. À casa dos sessenta e quatro. Graças a Deus, inteiro, sem precisar ter que parar em hospitais, sem ser acometido de alguma doença que merecesse cuidados mais específicos. Seis décadas e meia não são para qualquer um. Quero crer, e na verdade creio, seis décadas e meia são para os fortes de espírito, para os que lutam dia a dia por melhores horizontes. Sou pai de seis filhos maravilhosos: Érica, Eduardo, Narjara, Amanda, Luana e Antonella.

12
Meus rebentos queridos e amados estão aí, a pleno vapor, gozando saúde. Todos bem, vivendo a felicidade absoluta de estarem vivos e de terem um pai batalhador, presente (ainda que espevitado, meio louco das ideias), para dar a benção todos os dias e desejar sucesso na escola. Acho que posso me considerar um cara feliz, um sujeito de sorte em todos os sentidos que a felicidade possa vir a ser expressada.

13
Tenho, por conseguinte, meus pais vivos e com saúde, uma mulher maravilhosa que me ama e me faz sentir plenamente realizado.  Que mais posso querer ou desejar? Que mais posso pedir ao Criador, senão agradecer a Ele, do fundo da alma, por tudo de bom que consegui nessa longa corrida para chegar até aqui?

14
Gostaria de transcrever um texto de Robert Frost, meu poeta favorito, “The rod not taken”, cuja tradução livre para o português, seria: “O Caminho não percorrido”. Tenho certeza, essa poesia, ou melhor, a mensagem que ela traz, fará o mesmo bem para todos que tiverem a oportunidade de ler meus textos, meus livros e ouvir as minhas músicas.

15
Do fundo do meu coração espero que essa poesia acenda a chama apagada de cada um em particular, notadamente de meus amigos e leitores, e que o fogo da felicidade mantenha a vida e a sua alma de todos vocês, aquecida ad aeternun.

16
Two roads diverged in a yellow wood,
Num bosque amarelo dois caminhos se separavam,
And sorry I could not travel both
E lamentando não poder seguir os dois
And be one traveler, long I stood
E sendo apenas um viajante, fiquei muito tempo parado
And looked down one as far as I could
E olhei para um deles tão distante quanto pude
To where it bent in the undergrowth;
Até onde se perdia na mata;

17
Then took the other, as just as fair,
Então segui o outro, como sendo o mais merecedor
And having perhaps the better claim,
E tendo talvez melhor direito,
Because it was grassy and wanted wear
Porque coberto de mato e querendo uso
Though as for that passing there
Embora os que por lá passaram
Had worn them really about the same,
Os tenham realmente percorrido de igual forma

18
And both that morning equally lay
E ambos ficaram esta manhã,
In leaves no step had trodden black.
Com folhas que passos nenhum pisou.
Oh, I kept the first for another day!
Oh, guardei o primeiro para outro dia!
Yet knowing how way leads onto way,
Embora sabendo como um caminho leva para longe,
I doubted if I should ever come back.
Duvidasse que algum dia voltasse novamente.
I shall be telling this with a sigh
Direi isto suspirando

19
Somerwhere ages and ages hence;
Em algum lugar, daqui a muito e muito tempo;
To roads diverged in a wood, and I-
Dois caminhos se separam em um bosque e eu...
I took the one less traveled by,
Eu escolhi o menos percorrido,
And that made all the difference.
E isso fez toda a diferença.

20
Pelo que aqui deixei posto, minhas senhoras e meus senhores, só me resta concluir dizendo o seguinte: viva eu, Aparecido Raimundo de Souza, nascido aos l9 de março de 1953, no dia de São José, pai adotivo de Jesus, sob o signo de peixes, o último do zodíaco. Oxalá possa ainda apagar muitas velinhas vida afora, escolhendo muitas e muitas trilhas, atalhos e veredas que me levem sempre em busca do sucesso de mim mesmo...
E, claro, da FELICIDADE QUE TODOS OS DIAS IRROMPE MAIS PUJANTE, BROTA MAIS ENÉRGICA E ENCORPADA DENTRO DO MEU CORAÇÃO EM FESTA. 

AVISO AOS NAVEGANTES:
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Título e texto: Aparecido Raimundo de Souza, jornalista. Do Sítio ”Shangri-La” – Um lugar perdido no meio do nada. 19-3-2017

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2 comentários:


  1. Lembra patrão, quando ao completarmos nove anos trabalhando juntos eu lhe fiz essa homenagem? Pois é, corria o ano de 2011. Você com 58 anos e eu entrando na casa dos 23. Que confusão causou essa homenagem! Minha nossa! Todos os nossos amigos e familiares, sem exceção, caíram em nossa pele, dizendo que tínhamos um caso.
    Baseados na música que escolhi para o vídeo, todos foram unanimes em afirmar que não era uma homenagem de uma simples secretária a seu patrão pelos anos de dedicação, mas, uma DECLARAÇÃO DE AMOR. O tempo passou, e aqui estamos, quase a completar 15 anos de vida profissional em comum.
    As pessoas que se diziam nossas amigas, que frequentavam nossas casas, se foram. Sequer deixaram lembranças. Bem recordo, papai, quando você foi falar com ele, pedindo para me deixar viajar com você, ele disse: “A mãe dela está meio assim, desconfiada. Nossa menina é muito jovem. Mas a palavra final por aqui é a minha. Fui com a sua cara. Deixo meu amigo. Ela pode ir. Mas cuidado. Minha princesa é filha única, está indo em uma e não quero que volte em duas”.
    Você, brincalhão, como sempre questionou papai, militar severo, austero, que negócio era aquele de “ir em uma e voltar em duas?”. Ao que ele, muito furioso, lhe respondeu, enquanto com as mãos, fazia contornos na própria barriga: “Você entendeu exatamente o que eu quis dizer”. E quando no leito de morte, em abril de 2015 no hospital, as suas derradeiras palavras foram: “Pois é meu rapaz! Pena que você me obedeceu ao pé da letra e não me deu um neto”.
    Hoje, as portas de completarmos 15 anos, você com 64, eu com 29, aproveito essa oportunidade dentro desse texto maravilhoso que você escreveu (64 aos 19) para lhe desejar ainda que atrasado, muita saúde, muita esperança, muita paz, muitas alegrias e sucesso pleno. Que você continue sendo esse patrão maravilhoso, essa pessoa que amo como profissional, que amo com todas as forças de meu coração.
    A você eu devo o meu primeiro emprego, a primeira oportunidade, os primeiros passos para conhecer o mundo que se descortinava além da porta da minha sala e que até então eu só sabia que existia do portão pra dentro. Parabéns pelos 64 anos, parabéns pelos nossos 15 anos trabalhando juntos. Se você não me mandar embora, a ideia e ficar a seu lado por mais 15, mais 15, mais 15...
    Aparecido, obrigada por você existir, por fazer parte da minha vida, do meu dia a dia.
    Sua sempre, secretária e assessora de imprensa,
    Carina Bratt.

    https://www.youtube.com/watch?v=O4isRVDaPY8


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  2. Somente a título de informação.
    YELLOW WOOD é uma expressão idiomática sobre as folhas amareladas do outono.
    Para não escrever:
    -
    32/5000
    Fall yellow leaves fall
    Dois caminhos por entre as folhas amarelas do outono,

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