João Pereira Coutinho
Sento-me para escrever um
texto sobre o mais recente ato terrorista em Londres. Já estou desatualizado.
No momento em que começo estas linhas, houve uma tentativa de ataque na
Bélgica. Quando terminar o texto, não posso garantir que algo não terá ocorrido
em Paris, Roma ou Amsterdã. Aliás, quem pode?
Existem duas formas de olhar
para o atentado de Westminster. O primeiro é dizer o óbvio: nada de novo na
frente ocidental. Olhei para os números. Em 2017, este é o quarto ataque em
solo europeu com carimbo piadista. Se mergulharmos em 2015, para o qual já há
números fiáveis da Europa, houve 211 ataques, 151 mortos, 360 feridos. Em 2016,
contas por alto, o figurino não deve ser radicalmente diferente.
Donde a conclusão amarga: o
terrorismo veio para ficar. Hoje, lamentamos Londres. E até nos esquecemos que,
dias atrás, houve outro incidente menor. No aeroporto de Orly, em Paris.
Mas existe outra forma de
olhar para a tragédia. Uma variante optimista, digamos: a verdadeira surpresa
destes ataques não está no facto de eles acontecerem. Está, pelo contrário, na
evidência salvífica de eles não acontecerem mais vezes.
O inglês Anthony Lane, que fez
uma pausa na verve irónica para contemplar a destruição na sua cidade natal,
partilha na "New Yorker" esse mesmo espanto. É tudo tão simples, diz
ele, tão primitivamente simples, que os momentos de trégua são o verdadeiro
milagre.
De facto. Pensemos nos
atentados de Nice, Berlim, Londres - sob a perspectiva de um terrorista. Não é
preciso viajar para o Oriente Médio. Não é preciso mortificar o corpo com
treinos militares e outras violências. Não é preciso comer sopa de camelo e
torrar sob o sol inclemente do deserto. Não é preciso, sequer, um conhecimento
aprofundado sobre o fundamentalismo islâmico e o islamismo (não são a mesma
coisa).
A internet, primeiro, e um veículo,
depois, transformam qualquer um em "mártir". O próprio "Estado
Islâmico", nas suas proclamações assassinas, não se cansa de o repetir:
tudo serve para matar o "infiel". Embora o pessoal do Daesh prefira
camiões - velozes e com rodas potentes - por razões que me escuso a detalhar.
Por outras palavras: os
instrumentos são, digamos, instrumentais. O que conta é o resultado. E, claro,
a vontade insana de matar e de morrer. Com um carro, uma faca, uma pedra e um
total desprezo pela vida humana (dos outros e do próprio), o serviço está feito
e, através da mídia, amplificado. Como se responde a isto?
Os especialistas falam em
vigilância e policiamento: por cada atentado que conhecemos, há um número
indeterminado de tentativas que foram evitadas a tempo. Abençoados sejam.
Mas como vigiar, 24 horas por
dia, sete dias por semana, milhares de suspeitos que as forças policiais já
conhecem? Que fazer quando um deles dirige um carro ou compra uma faca de
cozinha? E que fazer, sobretudo, aos nomes que ainda não se conhecem?
É difícil escutar. É difícil
admitir. Mas a Europa, por tempo indeterminado, terá de aprender a viver com o
terrorismo. Meses atrás, li na revista "The Atlantic" uma matéria de
Uri Friedman sobre a forma como Israel reage a um atentado.
Nos primeiros três minutos,
cabe a qualquer civil responder à emergência se os profissionais ainda não
tiverem chegado. Em 20 minutos, todas as vítimas têm de ser transportadas para
o hospital. Em 2 ou 3 horas, o local deve estar "limpo" de qualquer sinal
de destruição. Em poucos dias, é como se nada tivesse acontecido.
A filosofia por detrás desse
protocolo é sagaz: não se deve conceder a um atentado terrorista qualquer
tratamento especial. Eles acontecem - como os acidentes de trânsito. A melhor
forma de lidar com a insanidade dos "lobos solitários" é reduzi-los a
um estatuto marginal. O que eles fazem é grotesco. Mas mais grotesco seria
premiá-los com horas e horas de propaganda midiática e comoção nacional.
Ainda não estamos nesse
patamar (Israel leva várias décadas de avanço). Os nossos jornais e tevês, em
"loop" obsessivo, dedicam a cada um dos casos uma atenção que só
engrandece as alcateias. As alcateias e, já agora, os políticos oportunistas e
mendazes que prometem uma cura total para uma doença que fará sempre as suas
vítimas.
Sim, vencer o terror é
lamentar essas vítimas. Mas jamais dedicar aos carrascos igual tempo ou energia.
Título e Texto: João Pereira Coutinho, Folha de S. Paulo, 25-3-2017
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