Rui Ramos
A crise dos refugiados em 2015 afetou mais
a Europa do que a crise do Euro de 2010: a Grécia continua na UE, mas a
Inglaterra vai sair. As migrações do Médio Oriente são a questão política
decisiva
Já começamos a habituar-nos:
com a primeira notícia do ataque, vem logo a especulação sobre se, afinal, não
terá sido apenas um “louco”; confirmado que se trata de um jihadista, passa-se
à hipótese do “lobo solitário”; e quando, finalmente, os seus cúmplices são
presos num bairro conhecido pelos “problemas de radicalismo”, resta um último
truque: insistir que o importante não é o terrorismo, mas o seu
“aproveitamento” pela “extrema-direita”.
Vale tudo para fugir ao
problema. Percebe-se porquê: no Reino Unido, três quartos dos jihadistas têm familiares e amigos ao
corrente dos seus planos, e uma proporção significativa é originária de apenas cinco bairros em Birmingham. A campanha jihadista contra o
Ocidente não é um simples caso de polícia ou um eco de guerras longínquas. Está
enraizada em certas comunidades. É uma questão política, derivada da expansão
no Ocidente de populações indiferentes ou hostis aos valores e às instituições
ocidentais. Muitos tratam apenas das suas vidas. Alguns, porém, estão
empenhados em importar para a Europa a violência sectária do Médio Oriente. Em
Inglaterra, há pelo menos 3000 suspeitos sob vigilância.
Muita gente estranhou o
comentário do Mayor de Londres (de há uns meses, mas lembrado agora), de
que o risco do terrorismo faz parte de viver numa grande cidade.
Mas Sadiq Khan tem razão: é assim que se vive nas cidades da Síria e da
Turquia, do Iraque e do Paquistão. E a razão por que Londres ou Paris começam a
evoluir na direção de Bagdade ou de Lahore, não é apenas pelo envolvimento
histórico das potências europeias nessas paragens, mas pela projeção crescente
das populações oriundas dessas regiões no Ocidente. Desta vez, não é possível
resolver o problema através da retirada, como nos tempos da descolonização. E
só porque não há uma solução fácil, não quer dizer que não haja um problema.
Os políticos ocidentais clamam
que não querem “estigmatizar” as comunidades muçulmanas do Médio Oriente. Mas
não se trata de “estigmatizar”: trata-se de levar a sério as suas identidades e
valores. Os ocidentais parecem convencidos de que uns cursos rápidos de
tolerância bastarão para as persuadir a adoptar o relativismo que passa por
moral no Ocidente. E se essas comunidades continuarem a sentir, apesar de
estarem na pátria de Locke ou de Voltaire, que o dever dos crentes é o de
adequar o contexto aos seus valores, e não os seus valores ao contexto?
As elites ocidentais
desvalorizam o desafio jihadista com uma velha bazófia: que podem barbudos com
facas contra democracias que, em tempos, derrotaram Hitler? Sim, os bisavôs dos
cidadãos dessas democracias desembarcaram na Normandia. Mas como reagirão os
seus bisnetos quando sair à rua se tornar uma lotaria de morte? Talvez a
probabilidade de morrer numa ponte em Londres seja sempre mínima. Mas será
inaceitável para sociedades ansiosas por eliminar todos os riscos.
Por isso, não foi a
“austeridade”, mas as migrações, contaminadas pelo jihadismo, que
desestabilizaram a política na Europa e na América, e que explicam o Brexit e
Trump. A “crise dos refugiados” em 2015 afetou mais a Europa do que a crise do
Euro de 2010: a Grécia permanece na UE, mas o Reino Unido vai sair. As
migrações do Médio Oriente são a questão política decisiva do nosso tempo. Sim,
seria uma tragédia se os demagogos do nativismo nos voltassem a dividir em
nações hostis. Mas é preciso mais do que exortações de unidade. Não é possível
evitar todos os atentados, mas tem de ser possível segurar fronteiras e não ter
medo de afirmar valores. Convinha que europeus e americanos não acabassem por
ver as suas elites políticas como os jihadistas já as veem: a fidalguia
decadente de um reino incapaz de decisão.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Não publicamos comentários de anônimos/desconhecidos.
Por favor, se optar por "Anônimo", escreva o seu nome no final do comentário.
Não use CAIXA ALTA, (Não grite!), isto é, não escreva tudo em maiúsculas, escreva normalmente. Obrigado pela sua participação!
Volte sempre!
Abraços./-