Rui Ramos
O que importa neste momento não são os
“bons resultados”, mas o que o governo fará com eles. E é aí que está o
problema: este governo não pode fazer nada.
Theresa May é
primeira-ministra por vontade de uma maioria no parlamento, mas nunca foi
candidata a primeira-ministra em eleições. Tem toda a legitimidade formal para
governar, mas este ano, encarregada de negociar a saída do Reino Unido da UE,
sentiu que precisava de um mandato popular, que só uma vitória eleitoral lhe
poderia dar. Por isso, arriscou tudo e antecipou as eleições para o próximo mês
de Junho.
António Costa é
primeiro-ministro por vontade de uma maioria no parlamento, mas quando foi
candidato a primeiro-ministro sofreu uma derrota humilhante, sujeitando o PS a
um dos seus piores resultados eleitorais. Tem toda a legitimidade formal para
governar, mas é óbvio que tem também um problema: de outro modo, não se
perceberia que há meses todos especulem sobre a possibilidade de Costa antecipar
eleições, a fim de obter a vitória que os eleitores lhe negaram da última vez.
Dir-me-ão: mas May precisa do
mandato para preparar a saída da UE, aqui não há urgências dessas. Não? Não
precisaria Portugal de um chefe de governo com um mandato forte, para promover
as reformas que poderão manter Portugal no euro e na UE? Não é o contrário do
Brexit tão crucial para Portugal como o Brexit é para o Reino Unido?
Parece que alguém decidiu que
lembrar a derrota de António Costa em Outubro de 2015 é de mau gosto, um
simples traço de ressentimento faccioso. Não é nada disso. É uma questão
analítica. Sem ter presente esse facto, o atual governo não faz sentido, nem as
suas políticas, nem, sobretudo, a tremenda fraqueza que o impede de estar à
altura das circunstâncias de um país que há quinze anos substituiu o
crescimento económico pelo crescimento da dívida.
O governo disfarça a sua
insuficiência falando dos “bons resultados” (o défice mais baixo da democracia,
etc.). Mas esses resultados são sobretudo o prolongamento de tendências
desenhadas desde 2013, à medida que os maiores desequilíbrios das contas
portuguesas foram corrigidos. O que importa neste momento não são os “bons
resultados”, mas o que o governo fará com eles. E é aí que está o problema: o governo
não pode fazer nada.
Depois de quatro anos de
“austeridade”, Costa esperava ganhar as eleições, e o PCP e o BE ascender ao
nível do Syriza. Mas não aconteceu nem uma coisa nem outra. O insucesso das
esquerdas portuguesas juntou-as no que é uma simples tentativa de ocupação do
Estado, para benefício das suas clientelas. Que mais poderiam fazer em
conjunto? PS, PCP e BE reconhecem divergir sobre a “integração europeia”. Mas a
“integração europeia” diz respeito ao tipo de regime político e ao modelo de sociedade.
Ou seja, PS, PCP e BE estão separados em relação ao que é fundamental. Por
isso, não estão em condições de se unir em grandes iniciativas.
Geralmente, o governo e a sua
maioria parlamentar têm feito o que Bruxelas lhes manda, porque a prioridade é
garantir o financiamento do BCE. Ao contrário do que disseram entre 2011 e
2015, os partidos da atual maioria não têm uma “alternativa” à “austeridade”,
porque acelerar “devoluções” não é o fim da “austeridade”, quando depois são
necessárias cativações e cortes do investimento público. Falta a este governo
força e convicção, quer para aprofundar a opção europeia no que respeita à
competitividade da economia, quer para enveredar por outra opção, como o
isolamento protecionista preferido pelo PCP e pelo BE.
Os investidores internacionais
não acreditam, e cobram por isso juros mais altos do que aos outros países
europeus. Os organismos independentes, dentro e fora do país, pedem, em vão,
“reformas estruturais”. Este governo nunca as fará. Mais: a sua formação
destruiu a maioria europeísta que as podia viabilizar. Provavelmente, nunca nas
últimas décadas os bloqueios da sociedade portuguesas foram tão graves, e nunca
a incapacidade política para os enfrentar foi tão grande.
Portugal, tal como o Reino
Unido, precisa de um primeiro-ministro com um mandato popular forte para o que
há a fazer: o Reino Unido, para sair da UE; Portugal, para “reentrar” na UE com
possibilidades de mais êxito. Theresa May teve a coragem ou a ousadia de pedir
aos eleitores esse mandato. António Costa, até agora, não teve uma coisa nem
outra.
Título e Texto: Rui Ramos, Observador,
19-4-2017
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