Como ergofóbicos que são, os organizadores
desse movimento esperam que a adesão seja alta porque conhecem o valor de uma
boa desculpa para não trabalhar
Editorial, Estado de S. Paulo
Uma “greve geral” marcada para
coincidir com a véspera de um feriado prolongado, encompridando-o um pouco
mais, traduz bem o espírito dos organizadores desse movimento. Os chefes das
centrais sindicais que convocaram a paralisação certamente esperam que a adesão
seja alta, entre outras razões, porque muita gente vai considerar a “greve” uma
oportunidade de antecipar a folga. Como ergofóbicos que são, esses
sindicalistas conhecem o valor de uma boa desculpa para não ir trabalhar.
E a desculpa da vez são as
reformas promovidas pelo governo de Michel Temer, especialmente a trabalhista e
a previdenciária. A desonestidade dessa campanha sindical, orquestrada pelo PT,
é evidente por si mesma. O partido que governou o Brasil por mais de uma década
e é diretamente responsável pelo colapso da economia – sem falar do colapso
moral – lidera um movimento destinado justamente a sabotar as únicas soluções
possíveis para a crise que os próprios petistas criaram.
Para que o deboche seja
completo, o PT, ao mesmo tempo que está organizando a tal greve, tratou de
lançar um “plano econômico”, batizado de Seis Medidas Emergenciais para
Recuperação da Economia, do Emprego e da Renda. Lá estão, uma a uma, as
mesmíssimas medidas que condenaram o Brasil a três anos de profunda recessão,
que quase levaram o Estado à bancarrota e que criaram mais de 13 milhões de
desempregados.
Os petistas dizem que querem,
entre outras coisas, “fortalecer empresas brasileiras para gerar empregos de
qualidade”, isto é, voltar a privilegiar empresas amigas do governo; “aumentar
o comércio Sul-Sul, principalmente os Brics”, impedindo, por questões
ideológicas, que o Brasil faça acordos comerciais muito mais vantajosos; e
“investir em infraestrutura para uma economia dinâmica e eficiente”, o que, no
governo petista, equivaleu a destinar bilhões de reais para projetos
superfaturados que mal saíram do papel. Além disso, o PT pretende “recuperar as
empresas de construção civil”, ou seja, dar uma mãozinha aos sócios
empreiteiros hoje enrascados na Lava Jato, e também quer “recuperar o papel central
da Petrobrás”, impedindo – atenção – “a fragmentação, destruição e privatização
da Petrobrás”, como se a estatal não tivesse sido rapinada e arruinada
justamente pelos petistas.
A desfaçatez é, portanto,
total. O PT, fragorosamente derrotado nas urnas e expelido do poder por ter
legado à Nação uma crise econômica sem precedentes e um descomunal escândalo de
corrupção, acredita-se em condições morais de denunciar um governo que, a duras
penas, luta para consertar uma parte desse estrago. E é espantoso que haja
quem, por vício sindical ou político, aceite engrossar esse movimento, deixando
de refletir sobre os efeitos nefastos que a rejeição das reformas de Temer
teria para o conjunto da sociedade.
Até mesmo algumas escolas
particulares de São Paulo decidiram apoiar o movimento grevista de seus
professores, em vez de lhes cortar o ponto pela falta, em claro desrespeito aos
que pagam mensalidade em troca do serviço. Uma das escolas, resumindo o espírito
que presidiu tão esdrúxula decisão, argumentou que as reformas foram
encaminhadas “sem o debate qualificado” – como se o Congresso não fosse o local
legítimo desse debate.
A maioria dos trabalhadores
que deixarão de cumprir expediente amanhã, contudo, será formada não por
grevistas, mas por funcionários que não conseguirão chegar ao trabalho em razão
da paralisação do transporte público. O mesmo vai acontecer com os estudantes,
que deixarão de ir à escola não apenas pela falta de transporte, mas porque muitos
professores aderiram à greve.
Tudo isso, caso se confirme,
tende a dar a falsa sensação de que a “greve geral” é mesmo geral, isto é, que
mobilizou grande parte dos trabalhadores para protestar contra as reformas
encaminhadas pelo governo. Num Congresso acuado por denúncias de corrupção e
pela perspectiva de grandes e radicais renovações nas eleições de 2018, essa
atmosfera pode definir votos contra as mudanças. Ao governo cabe manter a
firmeza de propósitos, sem se intimidar pela delinquência daqueles que usam os
“direitos do trabalhador” para golpear os trabalhadores pelas costas.
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