domingo, 16 de abril de 2017

A revolução francesa em curso

João Marques de Almeida

Se Le Pen passar à segunda volta e Fillon for derrotado, ainda o cenário mais provável, tal como a derrota dos socialistas, a chamada “maioria republicana” contra os extremos não vai sobreviver.

Na exposição do Almada Negreiros, li uma citação que faz sentido para o que se passa hoje na Europa. Não garanto que a cite com exatidão, “os olhos com que vejo não são os meus olhos, mas os olhos deste século.” Desde o ano passado, quando pela primeira vez os eleitores de um estado membro decidiram abandonar a União Europeia, são os olhos do século XXI que estão a olhar para o mundo. Os olhos atravessaram a Mancha e olham agora para a revolução francesa em curso.

É impossível exagerar o que se está a passar em França. Entre as esquerdas, o partido socialista acabou. O seu candidato, Benoit Hamon, dificilmente chegará aos 10% dos votos. À direita, Emmanuel Macron, e à esquerda, Jean-Luc Mélenchon, estão a destruir o partido. Até ao fim da semana passada, todos julgavam que Macron estaria seguramente na segunda volta. Mas hoje ninguém sabe. Mélenchon tem estado a crescer e a tirar votos a Hamon. As sondagens servem de pouco. Não conseguem prever o comportamento de um eleitorado muito volátil. No próximo domingo, é possível assistir Mélenchon chegar à segunda volta e Macron ficar de fora.

No lado direito do sistema político, depois dos problemas com a justiça, o candidato dos Republicanos, François Fillon, parecia estar derrotado. No entanto, a uma semana da primeira volta, ainda tem algumas hipóteses de chegar à segunda volta. Marine Le Pen está a fazer uma campanha fraca, e tem os seus próprios problemas com a justiça. Permitiu assim que Fillon ainda esteja na corrida. Se Le Pen passar à segunda volta e Fillon for derrotado, ainda o cenário mais provável, tal como os socialistas, os Republicanos enfrentam uma crise existencial. A chamada “maioria republicana” contra os extremos políticos não vai sobreviver. Contra um candidato de esquerda, muito do eleitorado de direita votará em Le Pen. Se o candidato à esquerda for Macron, a direita republicana vai dividir-se. Se for Mélenchon a passar à segunda volta, a direita vai unir-se à volta de Le Pen. Poderia ser o fim do Partido Republicano. Seria o confronto entre as forças radicais, e a derrota dos partidos tradicionais. A extrema direita contra a extrema esquerda. O cenário de pesadelo para a Europa.

Se apesar de tudo, a segunda volta acabar por ser entre Le Pen e Macron, não acredito que o antigo ministro da Economia ganhe facilmente, apesar do que dizem as sondagens. A segunda volta será uma nova eleição. Macron tem muitas fragilidades. Pouca experiência, como se tem visto durante a campanha e demasiado próximo de Hollande, o Presidente mais impopular da história da V República. Além disso, já o disse uma vez e repito: não estou seguro que os franceses escolham um antigo banqueiro para Presidente. Se alguém nos dissesse há seis meses que o próximo Presidente francês seria um político que nunca foi eleito, sem um partido a apoiá-lo, e um antigo banqueiro, quem acreditaria?

Pode ainda haver acontecimentos inesperados. Sarkozy ainda é o líder dos Republicanos. Imaginem que, para salvar o seu partido, Sarkozy faz um acordo com Le Pen. A Frente Nacional deixa cair o abandono do Euro e Sarkozy aceita uma política dura em relação à imigração. Com esse acordo, Le Pen teria muito provavelmente, no caso de ser eleita, uma maioria na Assembleia Nacional. Sarkozy, líder do maior partido parlamentar, poderia mesmo ser o próximo primeiro-ministro. Uma geringonça na direita francesa.

Se Macron ganhar e Le Pen for derrotada, o partido Republicano sobrevive e o futuro da política francesa vai decidir-se nas eleições parlamentares. Nesse caso, teremos dois cenários possíveis. O movimento político Em Marcha ganha as eleições e Macron torna-se o novo senhor da política francesa. Se vencerem os republicanos, teremos uma coabitação entre a direita e o centro. Mas será uma maioria instável, e não uma grande coligação à alemã. Seria o fim da V República e a italianização da política francesa. Quem quiser ter uma pequena ideia do que seria, estude a história da IV República entre 1945 e 1957.
Título e Texto: João Marques de Almeida, Observador, 16-4-2017

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2 comentários:

  1. No ‘Le Monde’ hoje:

    Roland Castro : « Macron ou le chaos ! »
    Dans une tribune au « Monde », l’architecte Roland Castro pense qu’après trente-trois ans de dégradation de la vie politique, les Français peuvent encore éviter le désastre en votant Macron.

    Marine Le Pen et la frontière de l’indécence
    Editorial. En exploitant électoralement, lundi, les attentats qui ont eu lieu en France, la chef du Front national a franchi une « ligne rouge d’ordre moral ».

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  2. Não sou de direita nem de esquerda, tão pouco de centro, isso acabou faz anos, desde girondinos e jacobinos ambos corruptos, Napoleão sabia.
    Não existem mais esquerdas e direitas.
    Hoje temos apenas, proto fascistas, fascistas e os politicamente incorretos.
    Essa coisa de diversidade me tira dos trilhos.
    Pouco me importa se o agente público é deficiente, gay ou lésbica, canceroso ou aidético, se religioso, ateu, ou maçom, se rico ou pobre, se empresário ou trabalhador, o que realmente importa é a honestidade.
    Claramente sou a favor da defesa dos interesses individuais e coletivos da comunidade patriota e nacionalista.
    Os proto fascistas chamam de ditatorial mudar o regime de parlamentarismo para presidencialismo, e chamam de direita o protecionismo e nacionalismo de um país.
    Depois apelidam de socialismo abrigarem os maometanos em suas terras.
    Aqui na terra de Abra antes, chama de socialismo a corrupção.
    fui,,,

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