sábado, 15 de abril de 2017

[Aparecido rasga o verbo] Broa de melado

Aparecido Raimundo de Souza

Gostaria que soubessem, meus filhos queridos, que o pai de vocês não se orgulha nem um bocadinho do que fez nesses anos todos de existência. Antes tivesse dado um basta. Fosse com um tiro na cabeça ou pulando na frente de algum carro em alta velocidade numa dessas rodovias que cortam a cidade.

Mas nem para isso me prestei e me senti capaz. Puxar um gatilho com o revólver apontado para o ouvido, ou dentro da boca, seria o mínimo. Saltar na frente de um automóvel, igualmente um gesto mesquinho e covarde. Não para comigo, ou com a vida que julguei ser errada, mas para os embaraços e transtornos que eu criaria com meu atropelamento para o motorista que, certamente, ficaria enrolado por um bom tempo perante a justiça.

Meus filhos, acreditem, sempre procurei pautar meus dias por sendas tortuosas. Nunca fui um bom menino – e quem não é um bom menino jamais será um exemplo de pai responsável e cônscio de seus deveres como chefe de família.  De igual maneira, não me comportei com a devida decência, com as não sei quantas jovens que, de namoradas passaram à condição de mães e acabaram, depois, por trazer vocês ao mundo.

Mulheres brilhantes, criaturas que tiveram a infelicidade e a má sorte de cruzarem comigo.  Falo em má sorte e em infelicidade, porque fiz questão de magoar e maltratar cada uma delas. A todas, sem distinção, humilhei, bati, feri, ludibriei e pisoteei como se fossem animais sem dono. 

Deixei faltar o essencial para a sobrevivência, além dos maus tratos, da falta de atenção, de amor, de carinho, de afeto e, principalmente, de decoro, de honestidade e honradez na condução dos anos em que vivemos em comum. Nos alvores dos dezoito, talvez não soubesse precisar o sentido exato da palavra caráter. Jovem e imaturo, despreparado e inseguro, levava a vida ao deus dará. Chovesse ou fizesse sol, estava tudo às mil. Aos vinte e cinco, desconhecia, ainda, o chão que pisava. Tudo se transformava, ou melhor, qualquer porcaria virava motivo para sair e comemorar.

Nessas ocasiões, não deixavam de abundar os amigos para farrear, os oportunistas que chegavam de todos os lugares para ajudar a passar as noites em claro, com bacanais regados a farta consumação de drogas e cervejas. Semanas inteiras se perdiam nos vazios dos botequins, sem falar nas garotas de programas que pareciam surgir de cada gueto escuro em busca de falsos prazeres para a satisfação da carne enfraquecida pelos anseios luxuriantes do pecado.

Aliás, eram inexatos e traiçoeiros esses agrados, tanto os que elas fingiam dar, quanto os que supunham receber. Vocês não imaginam quanto dinheiro papai gastou com bebidas caras, vinhos de procedências desconhecidas, vagabundas com tributos comprados em lojinhas de R$ 1.99, sem mencionar os pratos gordurentos de tira-gostos preparados sem nenhum tipo de higiene nesses pulgueiros malocados de beiras de estrada.

Se juntasse os valores jogados no ralo, daria para comprar uma casa para cada um, e, com toda certeza, ainda sobraria dinheiro suficiente para uns dois ou três carros zero na garagem. Não estou dando agora, depois de velho, uma de Chico Buarque, chorando sobre o ‘leite derramado’. Apenas vim aqui para falar dos caminhos escolhidos, e dos atalhos que me direcionaram a lugar nenhum. 

Entre tantos de fins diferentes, alguns até bem poderiam ter me agraciado com o topo, a glória, ao sucesso pleno de todas as pretensões e sonhos almejados. Todavia, meus filhos, segui embasbacado e sorridente pelos mais cômodos e menos trabalhosos.

Papai não sabia que no fim da jornada daria com os burros n’água, que me transformaria num traste humano; num João sem destino; rejeitado; refugado; repudiado à sorte de vegetar a sombra de migalhas e pratos de comidas oferecidos por mãos forasteiras a mendigos mofando a sorte em calçadas sombrias ou debaixo de pontes.

Pois é, meus filhos. Tive tanta ventura ao alcance das mãos, tanta felicidade batendo à porta. Foi um tempo de faca e queijo à vista da bonança que sorria. E tudo isso se evaporou, se desvaneceu por entre os dedos de minha imbecilidade incivil, da minha estupidez árida, excessiva, insuportável e sem tamanho.

Se hoje me desse ao luxo de proceder a um retrospecto de toda a jornada percorrida, chegaria à conclusão que, em todas as ocasiões em que a bem-aventurança deu as caras e tentou se aproximar, eu simplesmente virei o rosto, e pior que isso, me neguei, a mim mesmo, o direito de ser completamente feliz e realizado.

Resumindo, meus rebentos, esse seguir os ímpetos da loucura desenfreada, sem controle, desmedida e precipitada, que me dava na telha, em certos momentos de burrice e insensatez, como podem ver, não me levaram a nada, não me deixaram construir porcaria nenhuma, e por consequência, não me fizeram deixar para vocês, de herança, ao menos uma casinha de pau a pique, que pudesse ser considerado agora, sólido, firme, indestrutível.

Tudo o que consegui meus filhos amados, foi atirar pela janela a minha vida, no ralo o meu futuro, e, no buraco negro, o meu destino da maneira mais infeliz possível. Tão degradante a minha sina, agora, que todas as manhãs, ao acordar, e colocar os pés no frio gélido do cimento, vejo que o tempo passou e eu nem me dei conta.

Eu nem me dei conta que poderia ter ficado mais tempo ao lado de vocês, curtindo a realeza de ser um pai presente, de ser um pai cem por cento de verdade.

Essa imbecilidade à flor da pele me levou ao declínio, ao enfraquecimento, ao empobrecimento, a decadência, enfim, e nela, vegeto enxovalho, naufrago os dias que ainda me restam.  Que a terra me seja leve, quando bater à derradeira morada e que o Deus Pai Maior se apiede de minha alma espúria e não me desampare.
Título e Texto: Aparecido Raimundo de Souza, jornalista. De São Paulo, Capital. 15-4-2017

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3 comentários:

  1. Sempre temos algo do qual nos arrependemos, no passado algo que deixamos a desejar, mas ainda a tempo pra tudo, para pelo menos tentar consertar alguma coisa. Excelente texto Aparecido, parabéns.

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  2. Vejo aqui nesse texto, um Aparecido estranho, diferente daquele que conheço. Evidentemente ela não está falando de sua vida, tampouco de seus filhos. Se o fizesse, com certeza, teria endereçado aos filhos Érica, Eduardo, Narjara, Amanda, Luana e Antonella. (Tatiana Gomes Neves (Tati) tatianagomesnevesistoegente@hotmail.com
    acho que via Carina Bratt.

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  3. Vou comentar e discordar ao meu estilo.
    Não me arrependo de nada que fiz no passado.
    Nem de quantas vezes disse eu te amo, nos ouvidos de quem queria ouvir.
    Na minha opinião as mulheres deveriam fazer sexo com suas paixões e casar com seu melhor amigo.
    Os homens casam com suas paixões e tentam comer suas melhores amigas.
    Em sexo não se cometem erros.
    Se cometem erros quando não se respeita a companheira e a família.
    Porém, não há como corrigi-los.
    Nem fazendo cartas e crônicas de alforria.
    Fosse dada a oportunidade de voltar no tempo faríamos tudo igual de novo.
    Se não fizermos tudo igual, não teremos o que temos nesse presente futuro.
    Não quereria ser mais rico, sem a esposa e o filho que tenho hoje.
    Quero exatamente o que vivo hoje.
    Perfeição não existe nem mesmo nos deuses.
    Não gosto de broas nem de melado.
    Creio que filhos não podem ser juízes das vidas de seus pais.
    FELIZ PÁSCOA...

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